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Como foi acampar no Dreamville do Tomorrowland Brasil?

Como foi acampar no Dreamville do Tomorrowland Brasil?

Há uma semana, a Billboard Brasil dormia nas barracas do festival

Tomorrowland Brasil 2025 - Dreamville (foto: divulgação)

Festivais de música são focados em oferecer experiências para o público. O que não garante que elas sejam sentidas da mesma forma por todos. Mas com o slogan “Live Today, Love Tomorrow, Unite Forever” (em tradução: viva hoje, ame amanhã, una-se para sempre), é difícil não entrar na atmosfera repleta de sentimento de pertencimento que ronda o Tomorrowland Brasil.

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A Billboard Brasil acampou no Dreamville, a área de camping do festival, e viveu os quatro dias de evento no Parque Maeda, em Itu/SP , entre 9 (este apenas para os campistas), 10, 11 e 12 de outubro, e pôde experimentar, de fato, o efeito que essa frase causa.

Assim como Aristóteles colocou philia no centro do seu pensamento ético e político,  a amizade é um dos cernes do Tomorrowland. O filósofo grego desenvolveu o conceito em “Ética a Nicômaco”, nos livros VIII e IX, refletindo sobre a necessidade da amizade para a vida e enxergando-a como uma virtude e hábito.

Segundo Santos, em “O Conceito de Amizade de Aristóteles”, a amizade é uma disposição de caráter e se relaciona com o empenho do indivíduo ao bem, ligada ao convício social e à felicidade. É como uma vontade livre, impulsionada por sua natureza de se relacionar. Essa atitude moral e intelectual contribui para que os membros da comunidade vivam o bem supremo. Desta forma, é necessário que as pessoas tenham amigos para compartilhar alegrias e para receber apoio em momentos de tristeza.

Isso parece raro na sociedade contemporânea que vivemos, na qual o individualismo impera na busca pelo melhor para si e as relações se desenvolvem de forma online, de modo apático. Mas o conceito da amizade de Aristóteles, mesmo que em raras exceções, ainda encontra espaço nos dias atuais. Foi assim que vivemos os quatro dias na “vila dos sonhos” do Tomorrowland Brasil.

Tomorrowland Brasil 2025 - Dreamville (foto: divulgação)
Tomorrowland Brasil 2025 – Dreamville (foto: divulgação)

Passar pelos portões do Dreamville ativa um modo de vida diferente, no qual a natureza humana de ser sociável fica evidente na experiência em comunidade. É a virtude como excelência… Que você percebe a cada hora de vivência no acampamento.

É dizer “bom dia” para quem você não conhece, é ajudar a carregar as malas de uma pessoa nunca antes vista, é guardar o lugar na fila para um desconhecido que precisou se ausentar por um segundo, é dividir o mesmo banco embaixo da tenda lotada… Entre tantas situações, é estar aberto a conhecer pessoas do mundo inteiro e, mais que isso, se sentir à vontade para conversar com qualquer um – mesmo que não fale o mesmo idioma -, criando laços que não serão desfeitos tão cedo.

No primeiro dia, por exemplo, nos acomodamos nas barracas da área Spetacular Easy Tent e já vimos bandeiras de diferentes países como nossos vizinhos. Mas o público estava tão empolgado para o The Gathering, a festa exclusiva para os acampados na quinta-feira (9), que estava em peso curtindo o palco. É claro que também fomos assistir aos shows, mas numa pausa para alimentação, já conhecemos dois primos ingleses. Como começou a conversa? Com eles oferecendo um pedaço de frango pra mim. A partir daí, uma amizade foi criada e durou todos os dias do festival, incluindo um encontro no aeroporto com parte do pessoal que iria ao Rio de Janeiro depois do evento.

Tomorrowland Brasil 2025 - festa The Gathering no Dreamville (foto: divulgação)
Tomorrowland Brasil 2025 – festa The Gathering no Dreamville (foto: divulgação)

No dia seguinte, sexta-feira (10), mais uma amizade criada. Desta vez enquanto estávamos na fila esperando para tomar banho. Seguir umas às outras no Instagram foi o mínimo. E o máximo foi entender que eu e as novas amigas chilenas tínhamos tanto em comum. Nem a tarefa de tomar um banho em quatro minutos – nos quais poderíamos dar duas pausas para dar tempo de nos ensaboar – foi um problema para nós. A felicidade em estar num local compartilhando o mesmo amor pelo festival era tanta, que qualquer circunstância mais desafiadora era realizada de forma fácil, rápida, simples e natural.

A magia era inexplicável em palavras, mas palpável em sentimento. Desde emprestar chinelo ou shampoo a ajudar a procurar o cadeado da barraca que sumiu, tudo era feito pensando no bem comum. O senso de viver em comunidade falava mais alto e não havia ego que permanecesse a um sorriso de um desconhecido que em instantes virava seu amigo… Seja debaixo dos raios de um sol de 30 graus ou enfrentando os ventos de um frio de 15 graus durante a madrugada.

O terceiro dia, sábado (11), entre fantasias e looks caprichados, foi marcado por tatuagens e pulseiras chamadas “candies”. Entre a amizade com um venezuelano que tatuou o logo do Tomorrowland no braço ao aprendizado com um grupo de canadenses e estadunidenses sobre o PLUR (acrônimo de peace, love, unity and respect: em tradução, paz, amor, união e respeito). A filosofia da cultura rave ficou ainda mais clara para nós dentro do Tomorrowland. Trata-se de um estilo de vida dentro da cena eletrônica que prega a união e respeito, além do cuidado e da troca de boas energias com o próximo, capazes de criar uma conexão tão verdadeira a ponto de trocar presentes. Neste caso, as presilhas de broto ou as pulseiras de miçanga, que são uma forma simples de demonstrar afeto.

Em todos os dias, após acabar o festival, rolava o after. A famosa gíria descreve o encontro de pessoas que não querem ir embora depois da festa acabar, então resolvem começar uma nova festa. Mas confessamos que não participamos, infelizmente, porque não teríamos condições de seguir o trabalho no dia seguinte. Tudo o que sabemos e ouvimos foram comentários sobre como o público estava animado e que, claro, era uma maneira mais fácil ainda de fazer amizade e conhecer pessoas: dançando até amanhecer.

Nem no domingo (12), último dia de Tomorrowland Brasil, ficamos na barraca. Logo pela manhã fomos acordados com uma caixa de som com “Parabéns da Xuxa” no último volume. Era aniversário de uma das campistas, que dormia algumas barracas ao lado. No clima de união, fomos convidados para celebrar junto com bolo (virtual), velinhas e balões, num encontro que rolou na praça de alimentação e contou com todas as pessoas do espaço cantando parabéns em voz alta. A aniversariante se emocionou, nós também, e uma memória eterna foi criada naquele momento.

Depois do último show (e da última entrevista gravada), caminhamos de volta ao camping com uma sensação contraditória. Era o sentimento de dever cumprido, de ter dado nosso máximo na criação de todas as pautas, mas ao mesmo tempo de saudade do que estávamos prestes a nos despedir. No mesmo dia em que o recorde de máquinas de drone na América Latina foi quebrado durante apresentação do Alok  o Mainstage, pela primeira vez em 20 anos foi realizado um “after” oficial do Dreamville, organizado pela própria equipe do Tomorrowland. Era mais de 1 hora da manhã, ninguém tinha mais energia, mas dava tudo de si para presenciar o momento que entrou para a história do festival.

Segunda-feira, 13 de outubro, depois de quatro dias vivendo o festival, o momento de ir embora se aproximava. Arrumar a mala, desmontar a barraca, tomar o último café sentada na grama do Parque Maeda… São as memórias de saudade que aparecem na cabeça depois de ter vivido intensamente todas as experiências que a “vila dos sonhos” tinha a nos oferecer… E que só poderiam ser escritas num texto depois de tomar o último gole da xícara de café depois de viver aquela história e relembrar todas as memórias, seja trocando mensagens com os novos amigos no WhatsApp ou curtindo as fotos no Instagram de quem mora longe – mais precisamente, em outros países.

O Dreamville é construído por relações criadas ali naquele mesmo local, mas que dão sentido ao bem comum da comunidade. É a reunião de pessoas cheias de diferenças, mas que exalam harmonia dentro de um espaço de unidade diretamente ligado à virtude da reciprocidade, da solidariedade e, claro, da amizade.

E se para Aristóteles a philia é extremamente importante para o funcionamento da pólis, para o Tomorrowland a amizade é a base do funcionamento da cidade. É um acampamento constituído com um desejo em comum: viver a magia do festival em harmonia. Isto não aconteceria se a paz, o respeito e a união – tão presentes no já citado PLUR -, não criassem uma comunidade.

As pessoas se identificam com o outro, entre dores e alegrias. Por isso, a realização individual e social dentro da pólis só é possível se há o sentimento recíproco e a solidariedade. Tem como não entender que isso ocorre no Dreamville?

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