Como uma mulher mudou os rumos do funk de SP
Andrezza do Valle transformou a experiência nas trincheiras do funk
Tudo começou com uma reunião de amigos em um fórum de internet. Entre partidas de Call of Duty e conversas aleatórias, Andrezza ouvia os colegas falarem sobre funk, YouTube e projetos musicais. Em meados de 2010, essa conversa chamou a atenção da jovem da Zona Norte paulistana. Até que resolveu entrar de vez nessa história de “Detona Funk”, uma espécie de coletivo que atuava com divulgação de artistas. Mal sabia ela que, anos depois, estaria à frente da Marketada, com mais de 70 artistas no portfólio e influência direta em algumas das principais estratégias de lançamento do funk fora do eixo RJ-SP.
Antes de conquistar fama na internet, Andrezza era menor aprendiz em um hospital psiquiátrico, onde passava os dias preenchendo fichas de atendimento. Foi ali, entre pilhas de papel e rotinas repetitivas, que decidiu mudar o rumo da própria história: “Não quero isso para minha vida”, relembra.
A virada começou nas conversas pós-CoD, as sessões de jogatina com os amigos. Foi nesse ambiente descontraído que veio o primeiro empurrão: sugeriram que ela poderia trabalhar com divulgação de artistas de funk, um gênero que já fazia parte do seu universo. Andrezza ainda não entendia direito como funcionava a promoção musical no YouTube, mas a vontade de transformar sua realidade falou mais alto.
Nascia ali, em 2010, o canal da Andrezza, com o apoio da equipe original do Detona Funk: um grupo de jovens, espalhados pelo Brasil, que já sabiam como fazer barulho na internet. Primeira mulher naquele time, Andrezza começou a soltar videoclipes, lyrics e banners, e logo se tornou peça-chave na expansão do canal. Assim, passou a ser conhecida como Andrezza Detona Funk.
“Eles me davam a base do YouTube e eu estudava feito doida. A galera subestima o YouTube, mas tem curso gratuito do próprio Google. Foi ali que eu aprendi tudo”, conta. A bagagem acumulada na Detona logo chamou atenção de artistas como MC Pedrinho, MC Kevin, DJ R7 e DJ Pereira. Andrezza passou a intermediar lançamentos e impulsionar faixas que, em pouco tempo, bateriam dezenas de milhões de plays.
O Detona Funk, vale lembrar, não era apenas um canal. Era uma revolução silenciosa. “Não existia esse modelo de selo digital antes. A gente criou do zero e todo mundo copiou depois”, diz ela. A fórmula, baseada no YouTube, de divulgação em massa e conexão direta com artistas, virou referência – inclusive fora do funk, se tornando modelo de negócio replicado em diversos gêneros, principalmente no forró e no sertanejo.
Com o passar do tempo, esse mercado foi crescendo, e os videoclipes também passaram a ocupar uma grande parte do imaginário do público do funk, principalmente com o sucesso da produtora KondZilla. Ao invés apenas da veiculação de banners estáticos, os artistas com maior poder de investimento podiam investir em conteúdos audiovisuais com grande qualidade. Isso fez com que Andrezza ganhasse uma nova expertise: a administração das redes sociais dos artistas.
Nomes como MC Ryan SP, com base de mais de 15 milhões de seguidores apenas no Instagram, têm em Andrezza a responsável por sua estratégia digital.
Hoje, ela lidera a Marketada, selo e agência 100% digital que distribui músicas semanalmente para artistas do Brasil inteiro – e até de fora. Ao lado do MC Kitinho, com quem divide a sociedade, ela cuida desde os registros até o planejamento de marketing de cada faixa. “A gente solta umas 70 músicas por mês. E tem que manter a organização, o contrato, os splits… a galera acha que é só soltar no YouTube e viralizar, mas tem muito trabalho por trás.”
E se engana quem pensa que é só no digital que a Marketada opera. Andrezza conta que o mercado do funk ainda opera muito no offline. Ou melhor, boca-a-boca. Para isso, ela também aposta na velha escola: pen drive na mão, música no ponto e conversa com DJ no baile. “A rua ainda é essencial. Tem que sujar o tênis. A gente vai atrás dos DJs, entrega o carimbo da música. Isso ainda funciona”, garante.
Além dos adultos, ela também está de olho nas crianças. Inspirada pelo filho Miguel, de 4 anos, criou uma linha infantil dentro da Marketada. A ideia nasceu em casa mesmo. Casada com o também empresário de funk Vitor Hugo dos Santos, Andrezza percebeu que ela não era a única que gostava de ouvir os principais sucessos do gênero, mas tinha certa dificuldade em encontrar composições que se enquadrassem numa categoria family friendly.
“Meu filho é meu termômetro. Ele odeia que chamem ele de Miguelito, mas foi ouvindo ele cantarolar as faixas que tive certeza de que estava no caminho certo”, ri. A proposta é oferecer versões “light” dos funks para o público mirim – sem perder o gingado, claro.
A trajetória dela também é marcada por um compromisso constante com o respeito e a transparência. Em um mercado ainda majoritariamente masculino, Andrezza impõe limites desde o início. “Nunca deixei ninguém falar comigo de qualquer jeito. Tenho meu valor e faço questão que ele seja respeitado”, afirma. Com mais de uma década no funk, ela já viu de tudo, inclusive muitos talentos femininos ainda escondidos. “Falta gente que abrace essas minas sem interesse. Tem muita artista boa por aí, só esperando a chance.”
A relação com os artistas também é um diferencial. “Eles me escutam. Eu explico como registrar, como lançar, como trabalhar depois do lançamento. Não adianta soltar dez músicas por semana e não trabalhar nenhuma.” Segundo ela, até no proibidão há método: “O Mandela tem público. Mas tem que saber onde tocar, como distribuir, qual versão mostrar para a criançada.”
No fim das contas, o segredo da Marketada talvez esteja na sinceridade. “Aqui a gente não vende ilusão. Vendemos estratégia. E isso serve tanto pro MC que tá começando quanto pro que já tem milhões de streamings.”
Para quem quiser seguir os passos de Andrezza, o conselho é simples: “Seja xereta. Leia tudo, estude, vá atrás. E não tenha vergonha de perguntar. Foi assim que eu cheguei aqui.”