Música do coração: Bad Company, lenda do rock, ganha tributo e relançamentos
Entrevista com Paul Rodgers, vocalista do Bad Company
O Bad Company foi a primeira banda a ser contratada pelo Swan Song, selo criado pelo Led Zeppelin. E não foi por menos. Surgido em 1973 na cidade de Londres, ele é um dos primeiros supergrupos da história do rock. O vocalista Paul Rodgers e o baterista Simon Kirke foram do Free, combo de blues/rock que dominou as paradas com hits do quilate de “All Right Now” e “Wishing Well”. O guitarrista Mick Ralphs pertenceu ao Mott the Hoople, grupo de glam rock que tinha entre seus fãs nada menos do que David Bowie (que deu de presente o hit “All the Young Dudes”), e o baixista Boz Burrell saiu da lenda do rock progressivo King Crimson.
A formação original lançou seis discos, entre 1974 e 1982 e criou alguns dos principais clássicos do universo do rock. “Bad Company” (a canção), “Feel Like Making Love”, “Can’t Get Enough” e “Shooting Star” estão na categoria de standards do gênero. O ano de 1982 marca também o fim da formação clássica do quarteto, que de tempos em tempos tenta retomar os tempos de glória. Boz Burrell se foi em 2006, vítima de um ataque cardíaco e Mick Ralphs morreu em maio de 2025, em decorrência de um derrame sofrido em 2016.
Embora a perda de Ralphs tenha sido um baque, 2025 é um ano de glórias para o Bad Company. O grupo foi nomeado para o Rock & Roll Hall of Fame –cujos votantes, velhacos, ainda esnobam o Free, antiga banda de Rodgers e Kirke. Este ano marca também o lançamento de “Can’t Get Enough: a Tribute to Bad Company” (Hellion Records), disco tributo em que as mais diferentes facções do rock relêem o repertório desses quatro ingleses. A seleção vai de nomes da nova geração (o cantor de country rock HARDY, a ícones da new wave of british heavy metal (Def Leppard) e southern rock (Blackberry Smoke).
Em entrevista exclusiva à Billboard Brasil, Paul Rodgers, cantor do Bad Company e um dos organizadores da compilação, fala do disco, de Rock & Roll Hall of Fame e de dois projetos especiais dos quais participou: The Firm (ao lado de Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin) e Queen + Paul Rodgers, onde cantou pérolas de seu repertório e do cancioneiro do quarteto inglês ao lado do guitarrista Brian May e do baterista Roger Taylor.

O que me impressiona nesse tributo é a abrangência dos escolhidos: de veteranos a southern rock, passando por nomes da new wave of british heavy metal. Por que a música do Bad Company atrai tantos artistas diferentes?
Impressionante essa variedade, não? Ela se deve ao produtor, Gary Spivack, e à Primary Wave, empresa que detém os direitos autorais sobre as minhas canções. Juntos, eles escolheram esse eclético grupo de músicos. Para mim, o segredo da música do Bad Company está na sua autenticidade e na sua crueza. Todos os membros da banda –eu, Mick Ralphs, Simon Kirke e Boz Burrell– tocamos com o coração e com a alma. Quando Mick e eu compusemos nossas músicas, tentamos manter a simplicidade e a pureza e deixar de lado qualquer sinal de extravagância. Acredito que se a música e a mensagem são boas, sólidas e trazem algo com o qual o ouvinte se identifica, não há necessidade de muitos elementos de preenchimento. É preciso deixar a música respirar e permitir que o ouvinte se sinta imerso nela.
Você cantou com Joe Elliott, do Def Leppard, em “Seagull”, e com o Blackberry Smoke em “Run With the Pack”. Poderia falar dessa experiência?
O mérito de eu e Simon [Kirke, baterista] termos participado do disco foi da minha mulher, Cynthia. Eu estava relutante porque achei que todos tinham feito um ótimo trabalho e não queria interferir na produção. No máximo, ia dar uns palpites. Depois, percebi que eu ajudaria a enriquecer as músicas. Graças à tecnologia, eu não cantei no mesmo estúdio que Joe e Phill Collen, guitarrista do Def Leppard. Eles mandaram a faixa e adicionei a minha parte. O mesmo aconteceu com os rapazes do Blackberry Smoke, que gravaram “Run with the Pack”.
Você chegou a conhecer esses músicos pessoalmente?
Conheci Joe Elliott quando ele foi a um dos shows do Queen + Paul Rodgers na Inglaterra. Gostei dele de cara. Um bom cantor, um bom músico, um cara legal em todos os sentidos. O mesmo vale para Phil Collen, autor de uma canção chamada “Miss You in a Heartbeat” que gravei num disco solo meu. A versão de “Seagull” que os dois fizeram é bem parecida à que eu cantava na minha carreira solo, onde o baterista era nada menos que Jason Bonham [filho de John Bonham, ex-baterista do Led Zeppelin, morto em 1980]. Mas eu cantava a música num formato acústico, ao passo que os dois adicionaram bateria e guitarra: ela virou delas.
Eu adoro o que o Blackberry Smoke fez com “Run With the Pack”. Não os conheço pessoalmente, mas irei topar com Charlie [Starr Gray, vocalista e guitarrista do grupo] em março do ano que vem no Sound & Vision Awards, evento que é patrocinado pelo Adopt the Arts Program, instituição de caridade fundada pelo Matt Sorum [baterista, ex-The Cult e Guns N’Roses] e pela atriz Jane Lynch. Gravei com um dos corais deles, o Changels, uma versão de “Rock’n’Roll Fantasy” que você pode conferir no YouTube.
Eles querem homenagear-me a Geezer Butler, baixista do Black Sabbath. Charlie vai se apresentar lá e ouvi dizer que ele vai cantar “Run with the Pack”, que estou ansioso para ouvir ao vivo. Também se apresentará naquela noite a Lzzy, do Halestorm, com sua versão rock de “Shooting Star”. Conheci a Lzzy e a banda recentemente. Eles tocaram em uma arena em Penticton, perto de onde moro no Canadá, e fico feliz em dizer que foram muito respeitosos e acolhedores. O novo álbum deles é fantástico, tem muita profundidade e dimensão. Não pude ficar para o show, mas estive lá para a passagem de som e posso dizer que todos são músicos muito, talentosos e as músicas deles são fabulosas e ficam na cabeça.
Algumas músicas são ligeiramente diferentes das originais. Por exemplo, “Ready to Love com HARDY”. O que você achou da versão?
Ao ouvir a versão de “Ready for Love”, de Hardy e sua banda, fui transportado para 2025. Soa contemporânea; eles deram um toque de frescor à música, na minha opinião.
Você deu alguma recomendação às bandas sobre como elas deveriam soar? Ou elas deveriam ser o mais fiéis possível ao original?
Não tive contato com nenhuma das bandas antes da gravação das músicas, então elas tiveram liberdade para tomar suas próprias decisões e serem tão criativas quanto quisessem. Tanto eu quanto Simon estamos muito felizes com o resultado final. Como compositor, é extremamente gratificante ver minhas músicas ganharem novas asas e alçar voo. Quando escrevi canções como “Run with the Pack’, “Seagull”, “Bad Company” e “All Right Now”, jamais imaginei que elas teriam o legado que têm, e me sinto muito honrado por artistas de hoje ouvirem músicas que gravamos nos anos 1970, e ainda mais feliz por terem querido gravá-las.
Como as bandas foram escolhidas?
A Primary Wave e o produtor executivo Gary Spivack escolheram as bandas para gravar as músicas. Não sei exatamente qual foi o processo, mas com certeza acertaram em cheio. Muitas vezes, a disponibilidade também é um fator importante, porque quando uma banda está em turnê, é muito difícil encontrar tempo para ensaiar, trabalhar em uma música e depois gravá-la.
O Bad Company foi a primeira banda a assinar com a Swan Song, gravadora do Led Zeppelin. Como foi?
Para ser sincero, a relação entre Bad Company e Led Zeppelin sempre foi afetuosa. Eles nos apoiaram desde o início, quando formei a banda junto ao guitarrista Mick Ralphs e procuramos Peter Grant [o sujeito que estourou o Led Zeppelin] para ser nosso empresário. Eles nos apoiaram 1 000% em cada passo que demos em nossa carreira e ainda somos amigos, embora eu veja Jimmy Page e Robert Plant com mais frequência do que vejo John Paul Jones.
E depois ainda teve The Firm, grupo que você formou ao lado de Jimmy Page…
Nossa… Quanto tempo você tem para eu falar sobre isso? 1 000 anos? Tocar com Jimmy Page foi transcendental, inspirador e sinceramente não sei como tudo aconteceu.
Trabalhar com Jimmy me permitiu ser eu mesmo e trabalhar num ambiente seguro. Quando eu estava compondo “Radioactive”, eu fazia um exercício nos dedos para tocar guitarra que havia me sido ensinado pelo [guitarrista] Alex Korner e produzia um som muito incomum. Quando eu mostrei a demo para Jimmy, ele disse que tinha de colocar esse som e ainda fazer o solo da canção.
Você veio ao Brasil ao lado de Brian May e Roger Taylor no projeto Queen + Paul Rodgers. Quais as memórias que traz dessas apresentações?
Os fãs eram incríveis, amam o Queen e me acolheram com muito carinho. Lembro do último show no Rio, quando eu sabia que iria voltar e passar a me dedicar ao meu trabalho solo. Senti que tínhamos feito muito, considerando que Brian e eu tínhamos combinado de fazer apenas umas apresentações na Europa por diversão. Aquilo se transformou em quatro anos da minha vida, um álbum de estúdio com material novo, dois DVDs, especiais para TV e turnês mundiais. Me senti como se estivesse num foguete viajando para o espaço.
O Bad Company finalmente entrou no Rock & Roll Hall of Fame. O que isso significa para você? Porque, para mim, sempre mereceu estar ali, assim como o Free…
Sei que tivemos muitos fãs, amigos e familiares que fizeram lobby durante anos para que o Bad Company fosse incluído no Rock & Roll Hall of Fame, então fico feliz que isso finalmente tenha acontecido. A persistência deles valeu a pena, então o prêmio é para eles. Eu esperava poder me apresentar [Paul cancelou sua aparição por problemas de saúde], mas por recomendação médica tive de ficar em casa. Ainda estou cantando, viajar é que é difícil para mim agora.
Concordo um milhão por centro que o Free deveria ser incluído também no Rock & Roll Hall of Fame. Quem sabe o que os próximos anos nos reservam, mas a gente deveria estar lá porque influenciou muitos dos artistas que já estão ali.
AS MÁS COMPANHIAS EM DISCO
Vários Intérpretes – “Can’t Get Enough: A Tribute to Bad Company” (Hellion Records)
Dez pauladas do grupo inglês recriadas por alguns dos artistas mais importantes de vários cenários musicais. O Blackberry Smoke, por exemplo, é um ícone do southern rock e colocou uma pegada do gênero em “Run With the Pack” (que traz o próprio Paul Rodgers nos vocais); Rodgers também brilha em “Seagull”, recriação eletrificada de uma canção do disco de estreia do grupo a cargo do Def Leppard, e HARDY deu um sopro pop a “Ready for Love” e Slash & Myles Kennedy e Halestorm incendeiam, respectivamente, “Feel Like Making Love” e “Shooting Star”. Uma prova da inquestionável importância do grupo.
Bad Company – “Shooting Star” (Wikimetal Records)
Bad Company, disco de estreia do quarteto, é um clássico irretocável. Mas este aqui não fica atrás. Gravado poucos meses depois da estreia e lançado em 1975, tem como carro-chefe a canção-título e “Feel Like Making Love”. Mas “Weep no More”, com suas influências de gospel, é de uma beleza ímpar.
Bad Company – “Run With the Pack” (Wikimetal Records)
Em time que está ganhando não se mexe. O terceiro disco do quarteto inglês replica a sonoridade de seus dois álbuns anteriores. “Young Blood” dá um quê de diferença. Trata-se de um sucesso do grupo de rhythm’n’blues The Coasters.
Bad Company – Burnin’ Sky (Wikimetal Records)
É um trabalho que não fez tanto sucesso quanto seus anteriores, mas possui algumas pérolas. “Everything I Need”, por exemplo, é inspirada no rock dos anos 1950.








