Lô Borges, o ‘adolescente insignificante’ que mudou a história da MPB
Um dos autores do 'Clube da Esquina', ele influenciou o jazz e o rock inglês
“Audácia da pilombeta”, diria Didi Mocó, inesquecível personagem criado pelo comediante Renato Aragão sobre a ousadia de Milton Nascimento. Em 1972, ele era um cantor e compositor em ascensão quando se uniu a um “adolescente insignificante” (segundo a crítica daquele período) chamado Lô Borges e lançou Clube da Esquina, disco que trazia não apenas Lô como também o cantor e guitarrista Beto Guedes, o guitarrista Toninho Horta, o baterista Robertinho Silva e letristas do quilate de Fernando Brant, Márcio Borges e Ronaldo Bastos.
Felizmente, os executivos de gravadora daqueles tempos não eram muito de dar bola para a imprensa (ainda não são, na verdade, mas os artistas daquele período eram bons demais para serem ignorados) e ofereceram ao jovem Lô a chance de gravar um disco solo.
O doce amigo Lô Borges e o disco do tênis
Lô Borges (1972), também chamado de “o disco do tênis” (porque a capa, claro, é ilustrada por um tênis) é uma pequena obra-prima do catálogo do cantor e autor mineiro, morto no domingo, dia 02 de novembro, aos 73 anos. Depois de ceder praticamente todo seu material para compor “Clube da Esquina”, ele se viu obrigado a criar canções da noite para o dia (literalmente falando: Lô compunha a música pela manhã, seu irmão Márcio Borges criava as letras à tarde e o músico gravava no período da noite).
O resultado é um disco curto e direto, que traz desde influências psicodélicas e dos Beatles (“Você Ficar Melhor Assim” e “Canção Postal) ao que mais tarde seria conhecido como rock alternativo – “Aos Barões”, uma das faixas prediletas de Alex Turner, guitarrista e vocalista do Arctic Monkeys).
O disco de estreia de Lô Borges, contudo, foi o prenúncio de um longo período de ausência, fato que rendeu a fama (injusta, claro) de “artista complicado”. Ele optou por viver longe dos holofotes, tocando nas praças de Porto Alegre e nas areias de Arembepe, na Bahia (reduto dos bichos-grilos dos anos 1970), a cuidar da carreira com mais afinco. Como resultado, passou quase três décadas lançando trabalhos esporádicos que, de modo algum, podem ser considerados obras menores. “Via Láctea”, de 1979 (e que traz “Clube da Esquina Número 2”, de uma beleza ímpar); “Nuvem Cigana”, de 1982, que traz a jazzística “Todo Prazer”, e “Sonho Real”, que tem a lindíssima “Tempestade” são discos que podem e merecem ser descobertos.
Salomão Borges Filho nasceu no dia 10 de janeiro de 1952, em Belo Horizonte. A música sempre fez parte do seu cotidiano, mas chegou de vez quando assistiu a “Os Reis do Iê Iê Iê”, dos Beatles. Lô passou quase o dia inteiro no cinema, maravilhado com a música do quarteto inglês. Durante a adolescência, montou The Beavers, grupo de covers dos Beatles, ao lado de outro moleque fã dos roqueiros –um certo Beto Guedes. Tempos depois, passou a compor um material autoral e chamou a atenção de Milton, que era amigo de sua família. O núcleo foi o ponto de partida para o Clube da Esquina. Melodista de talento inquestionável, Lô compôs boa parte dos clássicos do conjunto – “Tudo o que Você Podia Ser”, “Paisagem na Janela”, “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, “O Trem Azul” e muito mais. Entre seus admiradores confessos estão Jon Anderson, ex-vocalista do Yes (que foi, inclusive ao casamento de Lô, levado por Milton Nascimento) e o guitarrista de jazz Pat Metheny.
Compositor de inspiração constante, de 2019 a 2025 Lô Borges lançou um disco por ano, com os mais diversos parceiros e de gerações diferentes. No final de agosto, chegou às plataformas de streaming “Céu de Giz”, parceria do compositor com Zeca Baleiro. Nada mal para um “adolescente insignificante”…






