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Por que a fidelização do público tem sido cada vez mais adotada no showbiz

Por que a fidelização do público tem sido cada vez mais adotada no showbiz

Bandas como Supercombo, Fresno e 5 a Seco apostam na estratégia corpo a corpo

Supercombo

No dia 8 de agosto, Mateus Coelho Santos, de 21 anos, saiu de sua casa em Ouro Preto do Oeste, município do estado de Rondônia, e encarou uma viagem de seis horas de ônibus em direção a Porto Velho. Chegando ali, enfiou-se em um  avião na madrugada de sábado e enfrentou uma viagem de cinco horas até São Paulo, onde se hospedou em um apartamento localizado em Santa Cecília, no centro da cidade. 

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Dois dias depois da aventura de Mateus, ou seja, 10 de agosto, Marcela Chuahy, também de 21 anos, saiu do aeroporto de Goiânia – passagens adquiridas a muito custo com milhas aéreas, diga-se – e rumou também para São Paulo, onde se hospedou na casa de parentes mais próximos. A viagem, claro, foi mais curta: durou uma hora e meia. 

Embora tenham tido diferentes pontos de partida, Mateus e  Marcela (além de outras 38 pessoas) se conectaram por um objetivo em comum: uma audição exclusiva da primeira parte de “Caranguejo”, o mais recente disco do Supercombo, um dos principais nomes do rock alternativo do país, acontecida na segunda-feira, 11 de agosto, num estúdio na zona sul de São Paulo. Organizada pela banda e pelo fã-clube Central Supercombo, o evento contou com docinhos em forma de seres marinhos, sessão de perguntas e respostas e até pôsteres e capas autografadas pelo conjunto. E o que os viajantes acharam do mimo? “Ouvir em primeira mão a primeira parte do disco novo foi extasiante. ‘Caranguejo’é um mix de emoções que toca fundo na alma”, emociona-se o rondoniano. “Parece que o disco se conecta com várias partes da minha vida, fui emocionando à medida que escutava aquelas canções”, revela a admiradora goianiense. 

Por mais criativa que tenha sido, a iniciativa do Supercombo está longe de ser uma novidade. Num mercado em que as gravadoras majors perderam seu poder de fogo e o funk e o sertanejo dominam o mercado com seu apetite pantagruélico, a fidelização do público tem sido um excelente estratagema de sobrevivência para artistas de médio e grande porte. O quarteto capixaba (hoje mais paulistano do que capixaba) Supercombo tem ao seu lado parceiros de guitarras distorcidas (Fresno e Supla), talentos da nova MPB (5 a Seco) e astros pop (Jão e Anavitória) que se utilizam do corpo a corpo para manter seu exército de fãs satisfeitos. 

Supla e o grupo Punks de Boutique (Divulgação)
Supla e o grupo Punks de Boutique (Divulgação)

EU NÃO SOU CONTRA O PROGRESSO 

Mas, afinal, como nasceu o conceito de fidelização? Há quem defenda que ele tem suas origens no rock progressivo. No final dos anos 1990, o grupo inglês Marillion cancelou sua turnê americana por não possuir verba suficiente para bancar as despesas da excursão. Foi então que um batalhão de fãs, liderado pelo americano Jeff Pelletier, abriu uma conta em um banco a fim de angariar fundos para o grupo. Deu certo: eles arrecadaram 60 mil dólares, quantia suficiente para que o Marillion agendasse 21 datas nos Estados Unidos, o maior número de apresentações do conjunto desde 1991. 

O bom resultado animou o quinteto inglês para criar outras ações envolvendo seu fã-clube. Em 2001, os roqueiros mandaram e-mails para as pessoas cadastradas em seu site a fim de que eles comprassem o próximo disco do grupo com antecedência. O dinheiro seria utilizado para custear as gravações, a fabricação dos discos e as despesas com material gráfico. Quem topasse a empreitada seria contemplado com mimos especiais. Mais uma vez, deu certo. O Marillion teve à sua disposição uma receita de 250 mil dólares (muito superior ao orçamento de seus discos anteriores) para gravar e lançar “Anoraknophobia”, de 2001, e os arrebatados de primeira hora ganharam agradecimentos no encarte do disco e ainda receberam um CD bônus contendo material inédito. Desde então, o Marillion faz ações combinadas com seu fã-clube a fim de garantir sua sobrevivência no mercado.  

NO BRASIL, O TAL ZELO SEMPRE E TANTO 

O quarteto carioca Los Hermanos é apontado como o pioneiro dessa interação direta com os fãs. Em 2000, eles passaram a alimentar seu site (sim, estamos falando de um tempo que você, leitor, nem se dê conta que tinha existido) que trazia informações além do arroz com feijão dos jornais e revistas. “A gente tinha desde playlists criadas pelos músicos até blogs pessoais, que eram atualizados semanalmente”, diz o empresário e diretor de marketing Marcos Sketch, que então trabalhava com o grupo. A boa audiência no site fez com que a banda criasse outro elemento de interação, dessa vez com conteúdo pago: o Clube Los Hermanos, que trazia versões alternativas de músicas do conjunto, notícias do dia a dia e até a possibilidade de adquirir antecipadamente ingressos para uma apresentação dos Los Hermanos na cidade de seus fãs. 

QUER VER A FOCA FICAR FELIZ? 

O Teatro Mágico, criado em 2003 na cidade de Osasco (SP), ampliou o conceito de interação com o fã e suas ações serviram como ensinamento. “O Fernando Anitelli foi importante para criar essa proximidade. Ele dizia para não tratar como um número”, lembra Pedro Altério, porta-voz do 5 a Seco, sobre o líder do grupo que combina música – que pode ser desde MPB ao pop de arena de um Coldplay – e números circenses. Uma das principais inovações deles foi perceber que, em tempos de streaming, o CD se tornaria mais um produto de recordação do que consumo e era necessário mudar as regras estabelecidas pelo mercado. Uma conclusão que surgiu depois de se desiludir com uma gravadora.  

Teatro Mágico esta (Guilherme Leite_Divulgação)
O grupo Teatro Mágico (Guilherme Leite/ Divulgação)

Fernando era integrante de um grupo chamado Margarida 19 que conseguiu gravar um disco por uma major. “No meio do processo, eles queriam que a gente transformasse nossas canções em forró”, lembra ele, numa entrevista dada para este repórter no ano de 2021. “Se a gente não concordasse, o disco seria engavetado”. Fernando recusou a “oferta que não se pode recusar”, como diria Don Corleone (personagem de Marlon Brando em “O Poderoso Chefão”), e partiu para o mercado independente. Dali, articulou ideias que foram colocadas em prática, com êxito, pelo Teatro Mágico

O combo de Osasco passou a vender seus discos por módicos 5 reais e não fez oposição ao compartilhamento gratuito de suas canções na internet. “Trocar música sempre foi trocar afetividade, que as pessoas dividiam com os amigos. O que você prefere: 5 cruzeiros no bolso ou 30 pessoas da família daquela pessoa escutando as tuas músicas?”, questiona. O investimento inicial do conjunto sairia da venda de ingressos e merchandising (assunto sobre o qual trataremos mais adiante). Em 2021, o Teatro Mágico criou sua própria tiqueteria, a Ingresso Mágico, que elimina o excesso de taxas cobradas pelas empresas de venda de ingresso e dá prioridade ao fã “raiz”. A turnê de retorno do grupo, que passou quase uma década sem se apresentar em casas de espetáculos, está sendo comercializada pela Ingresso Mágico. 

É DELICIOSO QUE EU SAIBA E SINTA QUE OS ADORO 

As redes sociais são uma ferramenta importantíssima nesse corpo a corpo entre o artista e seu admirador. Muitas delas datam dos tempos do Orkut. “A nossa comunidade tinha 77 pessoas. Cheguei a abrir tópicos do tipo ‘oi, gente, sou o cara da banda, vamos conversar’”, lembra Lucas Silveira, líder da Fresno, hoje um dos principais bastiões da cena pop rock do país. “De repente, no nosso Fotolog, que a gente também criou, apareciam mensagens pedindo para que a Fresno tocasse em Manaus, para não sei onde… E eu pensando: ‘Cara, que loucura’.” Hoje a Fresno passou muito da marca de 77 pessoas. Há quase um milhão de assinantes no X (o antigo Twitter), 247 mil no Instagram e cerca de 415 mil ouvintes mensais no Spotify. Quando esteve prestes a lançar o disco “Sua Alegria Foi Cancelada”, de 2019, Silveira criou um grupo de mesmo nome no Facebook para conhecer os verdadeiros fãs da banda. “A gente não passava por um bom momento. Eu meio que tiv um novo retrato de quem são os fãs realmente ativos da Fresno”, diz. 

Lucas Silveira, da Fresno, no I Wanna Be Tour 2025
Lucas Silveira, da Fresno, no I Wanna Be Tour 2025 (bmaisca/Divulgação)

A Supercombo, por seu turno, despontou em outra plataforma extinta, o MySpace. O sucesso obtido por ali rendeu o convite para participar do “Superstar”, programa de talentos da Rede Globo. Hoje o grupo tem mais de 620 mil ouvintes no Spotify e 187 mil assinantes no Instagram. Já o 5 a Seco foi aquele que, literalmente, partiu para o corpo a corpo: no início de sua carreira, pedia o e-mail de quem ia às suas apresentações para criar uma corrente de fãs. “Estamos sempre tentando nos aproximar dos fãs, de uma maneira que seja natural para a gente. Nunca seguimos uma estratégia estabelecida”, diz Pedro Altério. A “catalogação” dos fãs foi fundamental para que o 5 a Seco promovesse audições celebradas de seu mais recente disco, “Sentido”, no Bona, casa de espetáculos na zona oeste de São Paulo. “Sentei no meio do público, foi uma doideira. Foram quatro audições, para quase 1 mil pessoas. E ainda fizemos vídeos para quem ficou de fora”, lembra o cantor e violonista. 

Fresno e Supercombo, que fique bem claro, também promovem esses encontros com seu público. “Eu Nunca Fui Embora”, disco que a Fresno lançou em 2024, ganhou festas de audição em mais de 30 cidades – e não apenas do país, o grupo foi escutado em Portugal e na Irlanda. A “modesta” audição do Supercombo trazia uma curiosidade: apenas quem passasse as metas de pré-salve do single “Piseiro Black Sabbath”, lançado dia 13 de junho, e respondesse a perguntas cruciais sobre o grupo teria direito a participar da audição. 

O grupo paulistano 5 a Seco (Bruno Fragma/Divulgação)
O grupo paulistano 5 a Seco (Bruno Fragma/Divulgação)

QUERO VIVÊ-LO EM CADA VÃO MOMENTO 

O merchandising é um ponto crucial nessa interação e constitui uma parte vital na receita financeira do artista. O Supercombo, por exemplo, tomou as rédeas da fabricação das camisetas do grupo. “A gente bancou as primeiras estampas e camisetas com o dinheiro obtido da venda de CDs”, diz Carol Navarro, baixista e responsável pela interação com o fã-clube. “O nosso 13º salário saiu do merchandising”, diz o baterista André Dea.  

A Fresno cresceu tanto nesse sentido que não apenas vende camisetas em seus shows como tem um contrato com uma loja de departamentos – que foi renovado recentemente. “Se você for pensar, acho que somos a banda brasileira que mais vende camiseta”, jacta-se Lucas Silveira. 

O contato carinhoso com os fãs e mais esse tino comercial fez com que muitos desses artistas produzissem CDs e vinis para o consumo do fã-clube. O cantor Jão, por exemplo, lançou boa parte de sua discografia em CD e toda em vinil por conta de acordos com seus admiradores. No caso de Fresno, Supercombo e 5 a Seco, eles estão eternizando suas obras para além do campo digital. Fresno soltou “Eu Nunca Fui Embora” pela Noize Record Club, a mesma que lançou “Sentido”, do 5 a Seco. O Supercombo se uniu à Rocinante para lançar o vinil de “Amianto”, seu disco mais celebrado.  

QUE SEJA ETERNO ENQUANTO DURE

A conexão de um artista com seu fã-clube é importante e necessária. O 5 a Seco, por exemplo, escolheu Pedro Altério para a função – que ele cumpre com gosto. “Mantenho contato com os 300 membros do grupo de whatsapp. Troco ideia com a galera. Eu adianto algumas coisas por ali, falo dos anúncios que teremos. São movimentos simples que criam uma conexão”, teoriza o vocalista. A aproximação e o sucesso, claro, têm muito a ver com o talento. E estamos diante de bandas e intérpretes com promessa de longa carreira. 

O Supercombo, por exemplo, se notabilizou não só pelas ações junto aos fãs como pela independência criativa. “Caranguejo”, que chegou às plataformas de streaming em agosto, é o segundo trabalho do quarteto na Deck, uma gravadora que agrega o melhor do cenário independente nacional. O título do disco, aliás, vem de uma piada com o produtor Rafael Ramos. “Ele dizia: Não manda esses caranguejo (sic), manda umas músicas bacanas”, diverte-se o guitarrista e vocalista Léo Ramos. “É meio que isso mesmo, as nossas músicas, para muita gente, não têm pé nem cabeça. E é meio que um caranguejo mesmo.  Aí a gente pensou: ‘Vamos pegar o maior número de caranguejo, botar no disco e vamos mandar tudo para o Rafa!” 

“Piseiro Black Sabbath” surpreende por unir o heavy metal a esse subgênero do forró. “A música foi feita para furar a bolha mesmo e atingir pessoas que não consumiam a Supercombo”, completa Léo. “Mas quando sair o disco, todo mundo que acompanha a banda vai gostar.” A audição do dia 11 de agosto de 2025, contudo, mostrou que o Supercombo continua com seu séquito inalterado e, contrariando o famoso poeta Vinicius de Moraes, vai além da chama. E que seja eterno enquanto dure. 

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