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Como manter a cena musical independente

Como manter a cena musical independente

Investimentos em cultura no Brasil sempre tiveram um mediador quase invisível: os departamentos de marketing das grandes empresas. É ali, entre planilhas de ROI e relatórios de alcance, que se decide quais artistas sobem ao palco, quais festivais sobrevivem, quais narrativas culturais recebem holofote. O resultado é conhecido: no que depende de financiamento e visibilidade institucional, a cultura é conduzida muito mais por lógicas corporativas do que por pulsões criativas.

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Abramus (Reprodução/YouTube)

No pós-pandemia, esse quadro se agravou. O boom da volta aos encontros presenciais atraiu todo tipo de investidor ao mercado de shows e festivais. De repente, empresários de setores alheios à arte resolveram “apostar” na cultura, não pelo risco criativo, mas pelo lucro rápido. O espaço para o novo, para o experimental, foi encolhendo em meio à cultura dos números. Vivemos um tempo em que só o que é gigante parece ter valor, e tudo que conversa com menos gente — festivais de nicho, cenas independentes — passa a ser visto como irrelevante.

Como ecossistemas musicais entram em colapso?

Vale lembrar que ecossistemas não entram em colapso apenas quando tudo desaparece — basta perder uma parte essencial para que o equilíbrio se quebre. No século 19, por exemplo, a América do Norte assistiu ao desaparecimento do pombo-passageiro, então a espécie mais numerosa do continente. Bilhões de indivíduos que, em poucas décadas, foram caçados até a extinção. O que parecia inesgotável se revelou frágil, e sua ausência desencadeou mudanças profundas nas florestas: carvalhos e nogueiras deixaram de se regenerar da mesma forma, roedores e predadores perderam equilíbrio, o ciclo do solo se alterou.

Falar em “ecossistema da música”, portanto, não é apenas metáfora. É reconhecer que se trata de um sistema vivo, interdependente, formado por artistas, produtores, curadores, casas de show, selos, festivais, plataformas, políticas públicas, técnicos, jornalistas, editoras, público. E dentro desse sistema há um grupo frágil e, ao mesmo tempo, essencial: os agentes do risco.

São eles que apostam no que ainda não tem nome e sustentam linguagens em formação. Não esperam o conforto da tendência para se aproximar: operam na borda, onde processo, erro e invenção caminham juntos. Quando desaparecem, seja por falta de apoio, esgotamento ou pelo desmonte de políticas públicas, não é apenas uma parte do sistema que se perde: somem artistas que incomodam, espaços que desafiam, ideias que desestabilizam, projetos que interrompem o fluxo da indústria.

Apostar nesse tipo de prática, ainda mais num mundo plastificado, saturado por fórmulas e pela proliferação de simulacros insossos gerados por inteligência artificial, é mais relevante do que nunca. O Novas Frequências, festival de música experimental e arte sonora que em dezembro chega à sua 15ª edição no Rio e em São Paulo sem patrocínio confirmado, é uma dessas insistências. Uma prova de que, mesmo cercados pela lógica corporativa, ainda há quem insista em cultivar o risco e o novo como condição de futuro.


Chico Dub é curador, gestor cultural e diretor artístico. É diretor e curador do Festival Novas Frequências

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