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Ler os comentários da transmissão do Tomorrowland Brasil: uma experiência

Ler os comentários da transmissão do Tomorrowland Brasil: uma experiência

Mega-festival eletrônico é um fenômeno raro da transmissão musical: é bom

O produtor alemão Kevin de Vries finalizava seu set no Tomorrowland Brasil 2025 às 18h32 deste sábado (11) com uma versão progressiva de “Sex On Fire”, do Kings of Leon —banda do Tennessee que, em um pulo absurdo, passou de queridinha indie à sensação pop por causa do álbum “Only By Night”, de 2008.

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Jorge e Mateus no show da turnê especial de 20 anos (Alisson Demetrio e Cadu Fernandes/Divulgação)

Minutos antes, em minha sala, assistindo pelo You Tube, eu tentava convencer meu companheiro a graça que o Tomorrowland Brasil tem: uma rave enorme, mainstream, com características que evoluíram comercialmente a despeito da origem rebelde, escapista e marginal das raves.

Kevin ainda não havia chegado no auge do hit remixado e mencionado no primeiro parágrafo. As coisas estavam progressivas, flertando com um trance mais denso, mas quase sempre usando melodias em tom maior —o que cria uma sensação hipnótica semelhante a ver a fabricação de um algodão doce.

Quando chegou lá, a sensação foi semelhante a de ver um tik-taka num cam terminar em gol —a empolgação e extase geral do público não foi suficiente para comover meu amigo, que assistia entediado-interessado a comoção com o refrão “oooooooooooo your sexy is on fire”. Limitei-me a dizer: “lá na hora faz sentido e mesmo que você não goste aquilo te contagia de alguma forma”.

Essa experiência foi feita por meio da transmissão do próprio festival no You Tube —e esse já é um grande indício de uma boa transmissão: sem apresentadores, sem comerciais.

Lá em Itu, estava a repórter Vitória Zane —que, até agora, acampou, documentou amizades, viu David Guettaanalisou o primeiro dia de festival.

Mas vamos lá, aqui de casa mesmo.

Os comentários são muito bons de acompanhar

E mostram como a música eletrônica é uma doideira. Enquanto acontecia tudo isso que eu estava narrando, havia as mais variadas opiniões sendo disparadas no chat. A maioria estava louvando o alemão e exibindo orgulho tremendo de estar vivenciando aquilo, ainda que online. “Queria estar”, emojis de boneco dançando e globo de luz, estrelinhas, “quem é esse tocando?”, “que música é essa”, “ID TRACK – PLEASE” (basicamente sigla para “identificação da música”, usado por quem quer saber o nome da música ou que remix é aquele que tá rolando).

A propósito, é Kevin de Vries – Sex On Fire [Unreleased] a ID Track. Você pode ouvir uma prévia dela aqui, caso tenha curiosidade de saber que música é essa que tava comovendo geral.

O “Bota um funk”, aliás, foi retribuído logo depois com uma resposta cunt: “funk não tem como, meu bem”.

Mas qual a graça disso?

Um dos livros que você fã de música eletrônica pode ler é “Beijar o Céu”, coletânea de textos do jornalista e crítico Simon Reynolds. Além de escrever muito bem, elegante, Simon é um jornalista que todos deveriam ser: pesquisador, nerd. Um de seus escritos neste livro conecta a banda Pink Floyd às raves.

“Rave era, na verdade, uma palavra antiga, que remontava aos anos 60, quando bandas psicodélicas como Pink Floyd realizavam apresentações durante a noite toda. O termo foi reativado em 1988, à medida que a lógica da nova cultura exigia eventos cada vez maiores: quanto mais pessoas presentes, mais o sentimento de unidade induzido pelo MDMA era amplificado”.

Então, veja, ler os comentários também é ler uma amostra de como estamos falando de um movimento muito interessante na história da música: abarca muita gente, abarca muitos —muitos, muitos— gêneros.

O Reynolds continua:

No outono de 1988, os promotores começaram a realizar eventos em armazéns e fábricas abandonadas em zonas decadentes do centro da cidade, como o East End de Londres, ou nas áreas industriais de cidades do norte, como Bolton ou Sheffield. Essa lógica de escalada levou, no verão de 1989, a raves ainda maiores no interior da Inglaterra. Os promotores tomaram fazendas (às vezes com a permissão do proprietário, mas sem notificar as autoridades ou seguir as normas de segurança adequadas) ou ocuparam ilegalmente aeródromos abandonados. Muito antes de os celulares se tornarem amplamente disponíveis, os organizadores de raves desenvolveram métodos sofisticados para direcionar os frequentadores para os locais secretos, usando sistemas de mensagens telefônicas e “pontos de encontro” onde carros de foliões paravam para receber mais instruções. A estratégia era reunir um grande número de pessoas em um local antes que a polícia descobrisse, momento em que seriam forçados a aceitar a rave de fato por medo de causar um tumulto se tentassem fechá-la”.

“LARGA O MICROFONE, MONA”

Como o êxtase da apresentação do alemão de Vries terminou, era hora da espanhola B Jones. E a decepção foi terrível para o chat. Basicamente, geral foi de F. Para piorar, a DJ usava bastante o microfone —eu adoro o método, mas em um festival como o Tomorrowland, a galera não quer esse tipo de interação. Não daquele jeito. Basicamente, sem muito carisma, a espanhola tentava conversar com a plateia dizendo coisas que iam de “vocês estão prontos?” a “essa música é para quem gosta de sonhar”. As vaias online apareceram.

“Larga o microfone, mona”, “o problema além de tudo é querer falar”, “volta Kevin” são exemplos de apupos.

Lá em Itu, Vitória Zane conversou com Maria Eduarda e Mateus Novaes, de 26 e 28 anos. “Quando entra um artista muito diferente, quebra a vibe… Dá vontade de ir pra outro palco. Mas a gente continua no mesmo só por conta da preguiça de andar. O jeito é sentar pra descansar, ir ao banheiro, comer algo que esteja próximo… e esperar a próxima atração. Estamos ansiosos pra próxima sequência: Bicky romero, Anna b2b Vintage Culture e Axwell.”, concordou a dupla.

Em alguns momentos, a DJ conseguia contornar os dislikes. O trance-pop de “Late Night”, de Lilly Power, escurecia novamente o Tomorrowland Brasil e o clima que antes parecia açúcar demais começava a pegar fogo novamente. “Respeita DJ! ARRIBA”, disse um mexicano. “O set dela foi maravilhoso na Bélgica”, disse uma croata. “Mais alguém chapado já??? 😂😂😂😂😂😂😂”, disse um brasileiro. Mas, os hates seguiam com “She talked way too much on the microphone”, “She is so boring”. Os usuários também estavam contando a quantidade de vezes que ela usava o microfone. “achei q tinham parado de contar kkkkkkk bom saber q são 64”, disse Louise Araújo. 

Um era curiosamente repetido: a de que a DJ não era esforçada, não mixava e estava tocando um set pré-produzido —basicamente como estivesse dando play em um set já construído e produzido antes do evento.

Essas sensações contradizem uma ideia errada que as pessoas tendem a inferir do Tomorrowland —e da música eletrônica, principalmente a mais comercial: a de que o frequentador desse tipo de evento não tem profundidade. Em sua maioria, as exigências deste público, sim, são básicas: mas se bem cumpridas, são exigências que também são essenciais para uma boa festa. É básico: vibe. É básico: não quebre ou supere. É basico: se for quebrar, quebra com força, surpreende. E esses “básicos” são muito sofisticados perto da mesmice dos festivais de música pop em geral.

Mais do que tudo, o uso do microfone e o questionamento em cima do set da DJ mostram que esse público tem um compromisso maior com a música do que, necessariamente, com o personagem que está tocando.

Fato é que B Jones não mixava agressivamente e quase sempre a próxima música entrava ao fim da primeira, ao invés de entremeá-la. E isso foi tirando a paciência daqueles que gostam de ver algo mais vistoso tecnicamente. Mas, e daí a graça, ao vivo parecia estar funcionando. Quando tocou um remix de “Parado no Bailão”, L Da Vinte e Gury, o palco veio abaixo. Mas a boa vibe durou pouco: veio outra música e, depois, John Lennon cantando “Imagine”. Os corpos parados pareciam querer outra coisa.

“VOLTA B JONES!”

Mas foi só o duo norueguês Da Tweekas entrar em cena que a espanhola sentiu um pouco do calor online: “Volta B Jones”. Foi no país nórdico (e também na Bélgica e Itália) que o gênero hardstyle —que os caracteriza— nasceu. Geralmente bem rápido (no mesmo BPM do funk carioca em 150 BPM), ele tem como característica um prato batendo no contratempo, o que gera uma euforia aeróbica na música —e, por ser melódico, parece sempre ser alegre.

Curiosamente, a dupla também usava bastante o microfone —e aí viu-se poucos comentários contra a prática. Aos poucos, o público online começou a ponderar: “esse é o eletrônico que os europeus gostam”. Mas os noruegueses não se ajudavam: lançaram um remix do viral “Pedro” (aquele do “pedro pedro pedro pe”) e, logo depois, uma versão de “Aquarela do Brasil”. “Parabéns pro da tweekaz que tá conseguindo fazer um set pior que o da b jones”, disse Lucas Martind. “MATOU O SET” disse Diel Gonçalves. Isso não impediu as ressalvas —que aumentavam sempre que o tom crítico do chat surgia.

O CHAT NAO SABE O QUE É HARDSTYLE, COMPENSE NEM PERDER TEMPO COM ELES. SÓ CONHECEM ALOK E VINTAGE. CLARAMENTE EU VI QUE BRASIL NAO SABE NADA DE ELETRÔNICA, disse Handlei Rodrigues.

Emerson Santos continuou: “​​VCS NAO ESTAO PREPARADO PRA ISSO..”. Haf também: “​​PQP HARDSTYLE TEM LICENÇA PRA USAR MICROFONE”. Quando o duo lançou o hit noventista “Blue (Da Ba Dee)”, o festival inteiro levantou a mão e explodiu. O chat, não: “​​AAAAA ENTENDI AGR O PORQUÊ SAO ANIMADORES DE TORCIDA É PORQUE SAO PÉSSIMOS DJ AI PRECISAM FORÇAR A GALERA A INTERAGIR”, disse sandrozak *Games*.

SimulandoGamesBr​​ retrucou: “Música eletrônica não é só Alok, galera”.

Como se não pudesse piorar, eles tocaram a música menos brasileira dedicada ao Brasil: “Samba de Janeiro”, do grupo alemão Bellini, que tenta emular uma vibe brasileira muito próxima da canção que embalava o quadro “Banheira do Gugu”.

“Cascada”, diziam uns —em tom elogioso. Outros criticavam. Outro fato é que a audiência sentiu muito a brusca virada de direção nos sets. Enquanto Kevin trouxe uma ambientação mais dark e noturna, Jones e Tweekaz meteram o pé no pop (estes últimos ainda mais) —experiência que, apesar de desagradável para alguns, caracteriza um festival diverso, principalmente no palco principal.

 

Em um dia dedicado ao EDM, foi Nicky Romero quem começou a dar o tom da noite

O holandês Nicky Romero, então, foi o primeiro consenso da noite. A tônica ainda era bem pop: um dos auges do set foi a música “If I Lose Myself”, remix de Alesso para o hit do One Republic. Os comentários adoraram. Leandro Paim​​ disse “Olha ele carregando o publico”, Pivi​​2000 aproveitou para se vangloriar “2000 people saw my post on reddit about b jones, everyone agrees, take off her mic @Tomorrowland” (algo como “2 mil pessoas viram meu post no Reedit sobre B Jones e todo mundo concorda: tirem o mic dela, Tomorrowland”. “Essa é braba”, disse 100k sobre “Waiting For Love”, do Avicii, presente no set do holandês.

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