Planet Hemp entre censura e confusão: leia trecho da biografia da banda
Pedro de Luna disponibiliza trecho do livro "Planet Hemp - Mantenha o Respeito"
Luna escreveu mais de 19 livros sobre músicos e bandas, entre eles, as biografias de Champignon, do Charlie Brown Jr., e Mundo Livre S/A. A biografia do Planet Hemp mostra a trajetória da banda que revolucionou os limites da liberdade de expressão no país quando ousou falar abertamente sobre a discriminalizacão da maconha.
A reedição da biografia estea ampliada e atualizada. O relançamento é um pedido dos fãs porque a primeira edição, lançada em 2018 pela editora Belas Letras, está esgotada.
Pedro Luna disponibilizou uma capítulo do livro para leitura.
Leia o capítulo “Censura e Confusão” do livro Planet Hemp – Mantenha o Respeito
Em 1995 pouca gente tinha telefone celular e e-mail, e algumas entrevistas surgiam inesperadamente. Como o Marcelo era quem se expressava melhor, a Sony ficava doida atrás dele, e não conseguia localizá-lo. Foi quando a Alice Pellegatti sugeriu que a Elza o convidasse para morar com ela no Flamengo, próximo ao apê do Claudinho e do Brennand. O D2 concordou e a vida ficou muito mais fácil para a produtora do SuperDemo e para a gravadora, porque bastava bater na porta.
Quando o CD Usuário ficou pronto, a indústria fonográfica e a mídia ditavam tendências ao lado das rádios e a MTV, era comum a chamada pauta embargada. Ou seja, os jornalistas recebiam os discos antes, mas as matérias só podiam ser publicadas no mesmo dia, em data combinada com a gravadora. Para os jornalistas, o selo Chaos entregou um CD numa latinha, em alusão ao veneno da lata, uma maconha boa jogada ao mar em latinhas de alumínio. E olha que mesmo batendo lata, ninguém esqueceu do combinado de dedinho. No dia 13 de abril de 1995, quinta-feira, tanto O Globo quanto a Folha publicaram uma matéria sobre o primeiro CD do Planet Hemp. Usuário foi bem recebido pela imprensa, inclusive a paulista. No alto da “Ilustrada”, a Folha elogiou a postura da banda e sua consciência social, com letras sobre maconha e violência urbana. D2 disse que não era pró-maconha, e sim contra o tráfico: “Só o que o governo está conseguindo com a ação do Exército é criar um clima de guerra civil”. Ao contrário do Rio cantado pelas bandas dos anos 1980, o Rio do Planet era “um Rio Zona Norte, onde rola o funk, o pagode e os tiroteios”.
No “Segundo Caderno”, Tom Leão cravou: “Grupo prega a descriminação da maconha”. Para o D2, a banda era formada por pessoas que fazem uso da erva, mas não apologia: “A gente toma partido de quem é o mais prejudicado no uso da maconha. Mas não fazemos apologia, nem carregamos bandeira. É a nossa opinião”. O repórter frisou que o grupo conseguir quebrar a resistência bairrista de São Paulo e foi um dos destaques do Abril Pro Rock, em Recife, cinco dias antes.
Uma semana depois das críticas, os Beastie Boys tocaram no Imperator e o Planet Hemp abriu. A Elza adorava os melhores meninos e tinha um pôster enorme do grupo na parede da sala. O que ela nunca imaginou é que, de repente, um dos integrantes do grupo entraria no seu apartamento para buscar o Marcelo. Ela ficou tão surpresa e, ao mesmo tempo, envergonhada, que não teve reação.
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Menos de uma semana depois, o Planet Hemp estreou na TV. Porém, assim que a MTV recebeu o clipe de “Legalize já”, decidiu submeter ao Ministério das Comunicações, em Brasília, para uma adequação de horário. Resultado: o clipe foi devidamente censurado e só podia ser exibido após às 23h. Em reportagem no Estadão, D2 esbravejou: “Você tem que ter o direito de escolher entre fumar ou não. Só não é certo negar informação ou lavar as mãos, como faz o governo”. Uma pesquisa nacional do Vox Populi mostrou que 78% dos entrevistados eram a favor da legalização da maconha. Com a proibição, todos os envolvidos ficaram bem chateados, a começar pela diretora Marcia Leite. Afinal, a MTV criou a demanda, as gravadoras tinham grana para produzir, mas privilegiavam o que havia de mais comercial, o que era mainstream. E não existia outra YouTube ou rede social para postar o vídeo.
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Um mês depois dos Beastie Boys, o Planet Hemp foi convidado para abrir a festa de 18 anos da Rádio Cidade FM no Metropolitan, com Blitz, Barão Vermelho e Biquíni Cavadão. Só que, na véspera, o Planet tocou num bar de playboy em São Paulo. Foi um showzão, com todo mundo de ácido. Depois, ainda saíram eufóricos para zoar. No dia seguinte, chegaram detonados no Rio e não tinham uma equipe técnica fixa. Eles foram a banda de esquenta, a que toca primeiro e “cedo” para os parâmetros do rock. O show no Metropolitan, o primeiro num palco grande, foi horrível, e os hempers ficaram muito frustrados. Após a decepcionante apresentação, o roadie Davi Corcos estava fazendo cocô quando o D2 jogou uma cesta de frutas nele por cima da porta. Começou uma guerra, com frutas voando para todo lado. Na zona, quebraram o espelho e colocaram fogo na cortina. Quando o falecido Pepe, produtor da casa, entrou no camarim, o Formigão estava segurando um isopor quebrado prestes a arremessá-lo em alguém. Dizem até que a porrada rufou com os seguranças do Metropolitan… O fato é que a banda voltou do show de ônibus e o Metropolitan mandou a conta para a gravadora. O Planet Hemp foi proibido de tocar lá por um bom tempo e a rádio congelou a execução das músicas.
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A verdade é que tanto o Planet quanto o Jorge Cabeleira faziam merdas sim, mas estavam testando os limites. Sorte a deles é que estavam cercados por bons amigos, como Elza e Bruno, que eram a bola da vez. Antes dos eventos oficiais do primeiro disco, Jorge Cabeleira & O Dia Em Que Seremos Todos Inúteis tocou numa edição especial do SuperDemo, no Arpoador. Depois rolou Planet no Mistura Fina. Mas o que pouca gente sabe é que o primeiro show de lançamento de ambas as bandas não foi bem em São Paulo. E sim no Hitchcock, em Santa Barbara d´Oeste (SP). Está no cartaz de junho de 1995: sexta-feira 16 Jorge Cabeleira e, no sábado 17, Planet Hemp. Com abertura de última hora dos Gonorrocos.
Segunda-feira, 19, Planet no Blen Blen Club, com cobertura da MTV. O Mauro Berman tocava teclados no Planet e dividia o quarto com o David Corcos. Os dois carregaram um bong com restos de bagulho e fumaram no show. Como ninguém conhecia aquilo, um jornal publicou uma foto do Rafael bongando e colocou a legenda “olha o tamanho do baseado que o guitarrista está fumando”. Essa noite foi a estreia do DJ Zé Gonzales, lançando climas, fazendo scratches e soltando o sample de “Legalize” (do Bob Marley) no final de “Legalize já”. Uma rápida explicação: o primeiro DJ do Planet foi o Rodrigues, do Usuário, mas que não conseguia fazer shows durante a semana nem viajar com a banda, porque tinha um emprego num banco havia oito anos. Althayr Rodrigues Junior entrara como office boy e, agora, ocupava uma boa posição. Trocar o certo pelo incerto não parecia muito sensato. O próprio Gustavo Black tinha um emprego para pagar as suas despesas com transporte e lazer. Após o début, as bandas voltaram para o Rio e, na quarta-feira, lançaram o primeiro disco no Arpoador lotado, com Blecaute e Coma. Ficou lotado. No show dos pernambucanos, D2 cantou “Killing in the name”, do Rage Against the Machine, com o BNegão. Assim que os cabeleiras acabaram, dois raios caíram na mata atrás do palco e desabou uma tempestade brutal. No domingo, o Planet tocou no Ginásio da ASBAC, em Brasília. Na final do campeonato estadual, o Fluminense venceu o Flamengo de Romário por 3 a 2, com o gol de barriga do Renato Gaúcho. Único tricolor da banda, Rafael estava feliz da vida, diferente do flamenguista Marcelo D2.
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Mas o Flamengo era o menor dos problemas. As coisas não engrenaram tão rapidamente como se imaginava e o Planet oscilava entre o underground e eventos com mais estrutura. Um dia, estavam na Lona de Campo Grande com o Poindexter; no outro, lançando a coletânea No Major Babies com DeFalla e Black Alien, no Aeroanta de São Paulo. Ou em Curitiba: no Jail Bar com Resist Control e Monkey Brain; também no Coliseo, com Maskavo Roots. Até que rolou de abrir duas noites no Olympia para o Cypress Hill. Por intermédio da revista Bizz, Marcelo D2 entrevistou a banda no Hotel Maksoud Plaza e fumou o bagulho californiano deles. No palco, o Planet agradou aos dois mil e quinhentos pagantes. Um ano depois, tocou no mesmo lugar, como headliner, para o dobro de pessoas. Mas, naquele momento, os músicos ganhavam pouco, a equipe técnica era mínima. Então, Ronaldo Pereira percebeu que precisava da ajuda de mais uma pessoa para que a banda pudesse decolar. E assim o fez.








