Um dia desses uma amiga comentou: “Parece que os independentes tão na moda de novo, né?”
Respondi que, no Brasil, a cena musical independente se acende e se apaga de acordo com a luz do velho e danificado farol do mercado fonográfico e desatei a contar minha teoria.
Esse farol começou a funcionar nos anos 1990, quando os primeiros festivais independentes surgiam apresentando um line-up recheado de artistas que pouca gente conhecia. Quem não entendeu a proposta decretou que “tinha tudo para ser um fiasco”.
Mas a sacada em movimentar a cena underground do país e apostar no novo se tornou um grande negócio para todo mundo. Os artistas conquistavam outros públicos, os produtores conseguiam pagar as contas do evento e ainda botar algum no bolso, as marcas lucravam como a grande apoiadora de algo interessantíssimo que estava acontecendo e o público era apresentado para uma geração de talentos musicais incríveis.
As gravadoras farejaram a oportunidade e jogaram a rede. Na puxada, vieram o Planet Hemp, Chico Science e Nação Zumbi, Pato Fu, Skank, Charlie Brown Jr., entre outros, que assinaram seus primeiros contratos com grandes corporações do mercado fonográfico.

Navegando com seu próprio farol, a cena rap achava seu caminho com os Racionais MC´s, Gog, Thaíde e DJ Hum, na independência total.

A MTV também chegava no Brasil com tudo. Sem ela, talvez a música jovem feita nessa época teria chegado velha se a gente fosse esperar os outros canais abrirem os olhos para o que estava acontecendo.
Nos anos 2000, o farol do mercado fonográfico começou a falhar e sua luz foi rareando, pelo menos para as gravadoras. Elas deixaram de olhar para a cena criativa do momento e focaram (mais ainda) nos números, que caíam rapidamente devido à popularização da internet, à troca de arquivos de música e, claro, à pirataria de um modo geral. A luz apagou totalmente, como se fosse uma falha da Enel nos dias de hoje, digamos assim.
Já para os independentes, o farol caprichou um facho de luz intenso. Mais festivais apareciam pelo país, casas de show de pequeno e médio porte dedicavam sua programação exclusivamente àquela cena que nascia, e os artistas brilhavam mais que a luz da TV.
A facilidade e velocidade da informação trouxeram à tona nomes como Emicida, Criolo, Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Negra Li, só pra citar alguns, e os artistas assumiram as suas carreiras, criando seus próprios selos e estratégias, sem precisar do aval ou direcionamento das gravadoras. Um mundo novo estava sendo descoberto.

Os anos passaram, novas tecnologias surgiram e a música passou a ser controlada pelos números. Para o mercado, são eles que determinam se um artista é bom o suficiente, ficando o talento em segundo plano.
O fato é que, quando os números entram em cena, só quem brilha é o matemático.
O talento desaparece, ou melhor, se torna uma probabilidade digital. Sim, existem corporações que medem se um artista vai ser bem sucedido ou não fazendo cálculos entre número de seguidores + número de streams. É como se cortassem a árvore antes do fruto existir. No agro devem fazer algo parecido, com certeza. Só os números importam.
A música está dominada pelos números, e o primeiro a ficar no escuro é o artista independente. Nos dias de hoje, com tanta conta sendo feita, quem vai investir em algo que não tem números minimamente expressivos? Dessa forma, milhões de artistas interessantes e talentosos estão sendo deixados de lado.
O algoritmo controla o que você vai ouvir, o público se deixou levar pelo que as plataformas digitais sugerem, as marcas querem retorno e trabalham baseadas em dados, claro, e os festivais, cada vez mais dependentes das marcas para bancar o evento, acabam seguindo a onda numérica.

Resultado: um grande espetáculo das mesmas atrações em todos os lugares, salvo poucos e guerreiros festivais que seguem firmes iluminando a nova cena.
Estava na cara que isso em algum momento ia dar ruim. Shows esvaziados, números inflados, marcas insatisfeitas e novos artistas aparecendo a conta-gotas, não porque são poucos, que fique claro, mas porque não têm oportunidade de mostrar o seu trabalho.
Agora, parece que a luz do farol volta a apontar levemente seu foco para o novo, mesmo que pegando ainda no tranco.
O Caça Joia, programa que criei pra revelar novos talentos, está num canal de TV e numa plataforma de streaming, outras emissoras também abrem espaço para a música independente e os blogs de música estão mais ativos do que nunca.
Até o Lollapalooza BR vem recebendo elogios por apostar continuamente em novos artistas nacionais. Claro, recebe críticas de uma parcela do público habituada ao mais do mesmo; não agrada também os que pedem mais espaço para a música independente, e todo esse questionamento é normal, mas o momento pede coragem e ação das grandes corporações. É hora de botar toda a carga no farol. O modelo anterior já apresenta suas falhas e quando dói no bolso todo mundo se coça para resolver.
Cálculo nenhum vai conseguir medir o talento, e a curadoria baseada em números está bugada.
Como a música é uma coisa cíclica e os movimentos musicais vêm e vão, é chegada a hora dos independentes (mais uma vez). Resta aos artistas e público aproveitar a luz.
O país inteiro tem a chance de conhecer Sofia Freire, Mateus fazeno Rock, Reiner e Sophia Chablau, por exemplo.

Que as marcas invistam na nova música brasileira, que o público seja impactado por esses artistas, que outros festivais focados na música independente apareçam.
Isso é de extrema importância para a nossa cultura, que sempre teve muito mais talento do que apenas números para oferecer. Ainda bem!
Enquanto esse farol está aceso, vamos para a luz, Caroline.
Que seja uma modinha que nunca sai de moda.
Flávio Augusto Câmara, mais conhecido como China ou Chinaina, é um cantor, compositor, VJ e apresentador de TV








