Hayley Williams tem uma longa história com o Brasil. Sua primeira vinda ao país aconteceu em 2008, no auge do sucesso do segundo álbum do Paramore –banda em que ela é vocalista– “Riot”. Naquela época, eles colhiam os louros da repercussão estrondosa de “Misery Business”. Eles retornaram em 2011, quando Zac e Josh Farro deixaram a formação original. Depois, em 2013, vieram para cá para divulgar o primeiro disco com uma nova formatação na banda (agora com ela, Jeremy Davis no baixo e Taylor York na guitarra). Retornaram em 2014, como headliners do extinto Circuito Banco do Brasil e, nove anos depois, se apresentaram em São Paulo e Rio de Janeiro, em 2023, com o seu sexto álbum, “This is Why”. Para além dos shows lotados e fãs enlouquecidos, a cantora contou para a Billboard Brasil que essas experiências serviram de inspiração para seu terceiro projeto solo, “Ego Death at a Bachelorette Party”.
Eu vivi experiências marcantes no Brasil. E eu amo a música brasileira. Não tenho nem tanta certeza de que isso realmente apareça de forma explícita no que a gente faz —ou no que eu fiz na minha carreira solo, mas não sei… Acho que existem partes do mundo que são tão ricas em inspiração, e isso me deixa feliz por isso ter surgido nessas letras.
Lançado oficialmente em 28 de agosto deste ano, “Ego” conta com 18 músicas inéditas, sendo duas delas com um gostinho brasileiro. Em “Zissou”, Hayley canta um trecho em português, inspirado na trilha sonora do filme “A Vida Marinha com Steve Zissou”, cantada por Seu Jorge. “Cantei um português horrível”, brinca ela durante nosso papo. “Eu adoro usar metáforas com água quando o assunto são relacionamentos e o amor. E isso naturalmente me levou a pensar nessa trilha sonora. Eu realmente amo esse filme, mas amo ainda mais a trilha sonora”, conta.
Nós fomos para o Brasil muitas vezes, mas obviamente não tantas quantas na Europa, Reino Unido e Estados Unidos. E existe muita paixão lá, muito romance. Isso também acabou acrescentando ao clima que algumas dessas músicas representavam para mim. Ajudou a criar um panorama mais amplo… Fiquei muito feliz.
A segunda música em que Hayley faz uma referência ao Brasil é em “Parachute”. Na letra, ela relembra quando esteve em um avião a caminho do Rio de Janeiro quando foi questionada: “Você pensa sobre nós?”. Os fãs acreditam que a cantora esteja desabafando sobre sua relação com Taylor York, guitarrista do Paramore com quem ela teve um relacionamento (de amizade, por muitos anos, e depois amoroso). Ao que parece, eles terminaram.
Quando eu terminei de escrever a letra de ‘Parachute’, e mencionei o Rio na música, eu pensei: ‘Uau, isso me parece ser uma forma muito legal de exaltar um lugar que me apoiou durante toda a minha carreira’. Estranhamente, se encaixou na história dessa música. Não foi algo que aconteceu de forma planejada, mas foi natural
Um compromisso social
Para mais do que fazer menções ao Brasil, Hayley também tem usado seu espaço de divulgação do novo disco em prol de diversas causas sociais. Ela conta que decidiu usar sua voz para o bem, sabendo que o “o momento certo é agora”, especialmente depois da pandemia de Covid-19.
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“Estou tentando continuar aprendendo sempre, e encontrar formas de me engajar com as coisas, especialmente com o que está acontecendo aqui nos Estados Unidos. Sinceramente, é até difícil escolher um problema para se preocupar, porque tem tantos… Não só aqui, mas no mundo inteiro”, desabafou. “É como se você pudesse escolher se dedicar a uma causa social por dia”.
Esse posicionamento mais claro ficou evidenciado na faixa “True Believer”, em que ela fala sobre diversos tópicos, como racismo, violência e estigmas impostos pela religião. “They say that Jesus is the way / But then they gave him a white face / So that they don’t have to pray to someone they deem lesser than them (Eles dizem que Jesus é o caminho / Mas então lhe deram um rosto branco / Para não precisarem orar a alguém que eles consideram inferior a eles, em tradução livre)“, ela canta.
“Essa foi a primeira vez que eu realmente estou dizendo como eu me sinto e o que eu acredito na letra de uma música. Estou colocando tudo pra fora. E eu me senti muito orgulhosa, sabe? Pode ser algo meio assustador”, disse. Hayley ainda se descreve como uma pessoa que não necessariamente é uma expert nesses assuntos, mas também é muito conectada com justiça social. “Eu tenho 36 anos. Como eu quero passar o resto da minha vida? Quero ficar em silêncio sobre coisas que eu me importo ou trabalhar nisso?”. Hoje, ela acredita que ocupa um espaço em que pode fortalecer e apoiar essas causas que precisam de mais atenção.
Na prática, Hayley fez uma performance-manifesto da faixa no programa apresentado por Jimmy Fallon. Ela colocou uma faixa em cima de seu piano com a frase “Mississippi G-d Damn”, nome da música lançada por Nina Simone em 1964 como uma resposta à violência racial que acontecia nos Estados Unidos naquela época. Hayley estava acompanhada de uma orquestra, formada majoritariamente por músicos negros. Ao fim de “True Believer”, eles tocaram um trecho instrumental de “Strange Fruit”, faixa de Billie Holiday que também é um protesto contra o racismo nos EUA.
Eu não acho que foi um ato de coragem. Se uma pessoa negra protestar contra essa violência para os brancos que estão no poder, isso, sim, é coragem. Eu sendo uma mulher branca falando sobre esses problemas que seguem acontecendo nos Estados Unidos me parece um privilégio.
Veja a performance de ‘True Believer’, de Hayley Williams
Voo solo
Hayley começou sua trajetória como uma artista solo entre o fim de 2019 —quando anunciou seu primeiro single, “Summer”, e o início de 2020, quando lançou “Petals for Armor”, o disco que seria o pontapé inicial de uma das maiores vozes dos anos 2000. Naquela época, ela tinha anunciado uma turnê, mas os planos foram frustrados por conta da pandemia de Covid-19.
No disco, Hayley discorre sobre um montante de assuntos: amores fadados ao fracasso, desejos repentinos por um amigo de longa data, descobertas pessoais, luto e por aí vai. Isso seguiu sendo seu norte para o segundo disco, “FLOWER for VASES / Descansos”, de 2021 e agora “Ego Death at a Bachelorette Party”. “Eu acho tão bobo que eu tenho três álbuns solo. Às vezes até meio difícil de acreditar que eu fiz três”, brincou a cantora durante nosso papo, como se estivesse de fato surpresa por ter feito tanta coisa sem seus amigos de Paramore.
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Apesar de ter tido seus planos frustrados de divulgar o primeiro álbum —e de certa forma sentir que o mundo inteiro vive em um “estado de alerta”, como se outra catástrofe global estivesse iminente— é nos palcos que ela deseja estar: “Eu quero experiências humanas em que a gente possa s unir, ouvir músicas que conhecemos e amamos cantar, gritar e dançar”, disse.
Apesar de estarmos nesse estado de alerta, eu estou constantemente tentando encontrar uma forma de regular meu sistema nervoso. E e acho que a música é um ótimo jeito de fazer isso. Eu espero e oro para que a gente possa continuar fazendo isso… é algo que tem o poder de nos curar
Ela confirmou que deseja poder ir para os palcos enquanto Hayley Williams e cantar o repertório desses três álbuns “bobos” já lançados, apesar de tantos medos e inseguranças pelo futuro da humanidade. “Se essa for a última festa da humanidade, se a gente for curtir shows pela última vez, então eu quero com certeza sair e fazer um monte de shows”. (Para a sua alegria, fã brasileiro, quando eu falei o famoso “come to Brazil”, ela respondeu de forma bem positiva. Quem sabe?)
Quando lhe questionei se ela tinha alguma pretensão de alcançar a mesma repercussão que o Paramore conquistou enquanto solista, ela respondeu sem nem pensar duas vezes: “Não”. A banda, que surgiu enquanto ela ainda era uma adolescente e com 6 álbuns, se consolidou como uma das principais. De pop-rock do mundo, não é um parâmetro para o que ela quer sozinha.
Se pudesse ser do meu jeito, eu gostaria que fosse pequeno. Eu fantasio sobre ter uma vida em que eu toco minha música em bares, canto pra pessoas e vou para minha casa no fim do dia (…) Quanto mais eu amadureço, os números e quantidade significam cada vez menos. Eu quero apenas qualidade. Me conectar com as pessoas, com os meus parceiros da indústria. Não preciso ficar ficando cada vez maior. Acho que isso só iria me assustar (…) Não estou tentando ser uma artista maior e maior. Acho que só existe vazio nisso
Ouça o novo álbum de Hayley Williams
*Nota da repórter: meu primeiro amor pela música nasceu com o Paramore, há 17 anos. A sensibilidade, carisma e simpatia de Hayley nesse papo renovou meu amor por eles por pelo menos mais 17. Ficou claro como a água como ela tem um carinho inestimável pelo Brasil e pela história que construiu com o país, que abraçou a banda desde o início. Viva o Paramore! Viva a vida de fã!