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Do baile ao palco: elas dominam

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Do baile ao palco: elas dominam

Minas do rap (Billboard Brasil)

À medida que a música de quebrada ganha espaço nas paradas, em plays e no gosto do público brasileiro, aumenta seu espaço nos grandes festivais. Um reflexo é o número de artistas desses gêneros que ocupam diferentes palcos na 2ª edição do The Town. Seja no rap, funk, R&B, trap ou reggaeton, eles prometem levantar o público para além da já lendária noite dedicada, que traz como headliners Ms. Lauryn Hill e Travis Scott

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MC Hariel e Belo são atrações do The Town 2025 (divulgação)

“É um fenômeno em ascensão ainda. O funk teve sua explosão, o rap já teve a sua e agora é o trap. Acredito que ela [a cena] ainda tem um grande período para crescer”, aponta Zé Ricardo, vice-presidente artístico do festival. Quem for ao The Town vai ouvir e dançar parte dos expoentes de uma geração que carrega a herança de um movimento em que a música se mistura à moda e atitude.

Espelhando o que acontece nos charts, o time do rap está lotado de mulheres. Elas vêm de diferentes estados e histórias. Veteranas e novas vozes estão fazendo barulho e ganhando os holofotes, consolidando a força do rap nacional. Estão em palcos e horários que fazem jus a essa caminhada, “todas originais sem cópia”, citando Karol Conká em “Kaça”. “Eu me entendo como uma uma ferramenta de continuação de um legado dessas mulheres que chegaram antes da gente aqui. É como se elas tivessem passado o bastão, a gente pega no meio de uma correria e quebra esse bastão para dividir entre todas, e todas seguem carregando um pedaço dele”, descreve a rapper curitibana. 

Conká se apresentou no ano passado convidada por Tasha & Tracie e volta nesta edição trazendo AJULIACOSTA e Ebony. O trio abre o palco que terá a suprassumo do gênero Ms. Lauryn Hill e seus herdeiros Marley como atração principal.

Quem também vibra com a chance de dividir o mesmo line-up é a rapper Budah, natural do Espírito Santo, que sobe ao palco Factory: “Eu não vi a Lauryn Hill [ainda], mas eu vou vê-la porque a gente está na line no mesmo dia. É um sonho realizado pra mim e, com certeza, vai ser mágico esse dia”, diz.

Na programação do festival, completam o time de mulheres que dão corpo à pluralidade da cena atual, entre shows solo e participações, Duquesa, Tasha & Tracie, Priscilla, Melly, Tilia e as veteranas Iza, Ludmilla e Stefanie.

Stefanie, aliás, é uma das vozes de destaque do rap. MC de Santo André (SP), atuante desde o fim dos anos 90, ela faz questão de lembrar das pioneiras: “É muito importante a gente contar essa história – lembrar de Dina Di, Sharylaine, Lady Rap, Ieda Hill – e seguir com ela. São tantas narrativas novas que as meninas estão trazendo. A gente está no caminho certo, porque existem várias meninas pretas que estão nos vendo aí como referência. E no passado a gente não tinha.”

Desconstruindo para reconstruir

Após duas décadas de rimas e batalhas, Stefanie lançou seu primeiro álbum solo este ano e se apresenta no palco Factory no dia 13. “Tinha coisas que a gente não podia falar naquela época, porque foi… está sendo uma desconstrução, uma reconstrução, né? Pra gente ter o que a gente escuta hoje dessas novas MCs, tiveram outras galgando e quebrando barreiras.”

Para Zé Ricardo, a pluralidade é fundamental:  “A presença feminina nesse gênero amplia o diálogo do estilo, faz com que mais pessoas se aproximem e o conheçam. Essa presença é essencial para consagrar um gênero.” As críticas sociais continuam, e a nova geração abriu espaço para temas que vão de sentimentos até empreendedorismo. 

AJULIACOSTA, original de Mogi das Cruzes (SP), tem uma marca de roupas desde o começo de sua carreira na música. “Moda e rap andam juntos! Quando me identifiquei como mulher negra, fui escutando música, e isso impactou totalmente o meu estilo, sabe? E sei que isso pode servir de inspiração para outras meninas, de que é possível você fazer seu corre, de que é possível você empreender.” 

Em 2025, a jovem rapper se tornou a primeira brasileira a ganhar o BET Awards – premiação criada em 2001 pela Black Entertainment Television dos EUA para contemplar artistas negros. Ela se destacou na categoria artista internacional e diz que o prêmio foi um expansor de horizontes, um gás maior para as próximas coisas que estão por vir. “Dá um friozinho na barriga, mas se eu escrevi tudo que eu escrevi, é porque eu dou conta.” 

O ambiente parece promissor para todas, mas Zé Ricardo alerta que ainda há uma longa estrada adiante. “Os curadores, os empresários precisam investir cada vez mais em talentos femininos, para que a gente possa ter na cena rap e trap mais mulheres protagonistas, vendedoras de ingressos e headliners de festival. Isso depende muito também do investimento nesses novos artistas, de todo o sistema, de quem faz música a quem vive de cultura”, aponta.

A presença maciça de mulheres no The Town marca uma mudança na recepção do público. “Não tem dedo de homem nenhum nessa melhoria. A gente tá fazendo acontecer, chutando portas. Agora os meninos estão falando. A namorada ouve, aí vai no show com ela e, quando você vê, o cara sabe cantar todas as músicas“, conta Ebony, 25, a mais nova da turma. Seu rap é marcado pela franqueza. “Foi o que me motivou a fazer, falar sobre experiências que são minhas, independente de como pode parecer pra quem tá ouvindo.” 

E, como ideia certa é mato na cabeça da jovem nascida em Queimados (RJ), foi com a Diss Track (música de provocação) “Espero que Entendam” que ela balançou o hip hop, endereçando aos rappers homens e ao público a falta de apoio às mulheres na cena. “Essa música existe pela necessidade de, honestamente, debater a hipocrisia do público. Muita gente achou que fosse sobre os artistas, mas foi sobre o público, que aceita homens falando certas coisas e que não aceita mulheres falando as mesmas coisas.”

A braba Duquesa, que saiu da Bahia para fazer rap em São Paulo, é também conhecida pela força e franqueza nas suas letras. “Eu me sinto numa sessão de terapia, tá ligado? Falo sobre literalmente tudo na minha música.” Apadrinhada por Mano Brown, ela é contratada da Boogie Naipe, produtora liderada por Eliane Dias. “A cultura hip hop é muito instigante, e é muito difícil mostrar pra uma geração que o que eu faço também é cultura, tanto quanto MPB. Que os temas que eu abordo é o que as filhas deles ouviriam de uma forma, de um outro ângulo, principalmente masculino. Então, que bom que existem mulheres empoderando sua filha e dizendo que é melhor ela procurar algumas coisas de progresso do que se prender a um namorado tão cedo, sabe?”

O poder do baile, uma unanimidade

A sagacidade dessas mulheres vem embalada numa variedade de artistas solo, bem diferente do rap nacional que emergiu entre os anos 1980 e 1990, quando a maioria dos homens e mulheres atuava em grupo. Sharylaine começou no duo Rap Girls; Cris veio do SNJ; Rubia era do RPW; Negra Li do RZO. Foi na virada para os 2000 que surgiram cantoras solo como Karol Conká. Diretamente das batalhas, ela gravou discos clássicos como o terno “Batuk Freak”. flertou com o mainstream, passou pelo BBB, caiu, levantou e segue sagaz. Para ela, “o artista precisa se esforçar para sair um pouco da criação e entrar um pouco no business. É importante saber relações, comunicação, se permitir desbravar coisas que você tem vontade de fazer. Não levar tanto a opinião alheia como se fosse uma verdade absoluta, né? E investir na própria carreira, se cercar de pessoas que têm genialidade para trabalhar na arte.”

Para as mais jovens, Karol é inspiração. Com o duo Tropkillaz, fez o hit que deu propulsão inicial à sua carreira, “Tombei”. “Foi um divisor de águas: eu estava mostrando o que eu era, um rap pop. Eu brinco que, pra muitos do rap, eu sou pop, e, para o pop, eu sou rap. A minha criação foi cheia de influências, do samba até música gregoriana. Acho fantástico quando eu consigo transitar por outros lugares carregando o nome do rap comigo.”

A pluralidade de influências também marca a capixaba Budah. Na adolescência, ela se nutriu de referências musicais: “Escutei muito R&B na minha adolescência. E muito R&B brasileiro, que era o Claudinho & Buchecha, Fat Family. E frequentava roda de samba, meu pai tinha um grupo e me levava com ele.” Conhecida por cantar o amor e os sentimentos, Budah vê semelhanças entre R&B e pagode: “As letras românticas, as melodias maravilhosas, se você pegar uma letra de pagode e colocar um beat de R&B vai ficar bem parecido, tem a mesma essência ali”. Um marco em sua trajetória é a música “Maré”, que passou a integrar os shows por pedido do público: “Todo mundo perguntava por que a música não estava no show e eu achava que não tinha nada a ver cantar. ‘Maré’ é uma música de fé e eu lá cantando sobre amor e tal e, do nada, eu canto essa música? Quando a gente tocou pela primeira vez, foi uma coisa muito louca. Do mesmo jeito que ela me tocava, ela também tocava as pessoas, né? Então, depois desse dia, a gente colocou.”

Entre o palco e a pista, nasce a força que une essas mulheres, fazendo da música um território compartilhado. “O baile é um termômetro muito bom para você saber o que tá rolando”, valida AJULIACOSTA. Duquesa completa, destacando a experiência única de um show: “Eu gosto dessa energia como se eu fosse devorar o palco. Para mim, eu subo no palco, é o meu lugar”. Stefanie fala do sentimento de pertencimento: “Eu lembro a primeira vez que fui numa festa de rap em Santo André, entrei e falei, aqui é o meu lugar. Aquilo mudou totalmente o rumo da minha vida”. 

A sensação é semelhante tanto no rap quanto no funk. “Eu acho que esses encontros periféricos vêm desse lugar de se sentir vivo. Quando comecei a frequentar baile funk foi quando entendi sobre celebrar a vida independente das circunstâncias”, reflete Ebony. “É o lugar mais confortável possível pra gente, eu me encontrei no movimento hip hop. Eu posso ser eu mesma aqui. Ninguém tá ligando para o que eu uso, porque as pessoas são parecidas comigo, os rostos e os cabelos. É um espaço que te abraça”, é como impacta Budah. “A partir desse tipo de envolvimento, a gente consegue até se enxergar melhor, se entender melhor. Dúvidas são dissolvidas nesses bailes, às vezes criatividades são criadas. Um desejo, um plano de carreira dentro do baile, amores e desamores”, filosofa Karol.

Entre o baile e o palco, elas se fortalecem. Na pista, treinam ritmos, movimentos e presença; na arena, entram como quem representa uma nação, transformando-a em ringue. Cada música é um golpe certeiro, cada vibração do público, uma vitória coletiva. Das batalhas de rap ao levante das multidões.

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AJULIACOSTA, Budah Stefanie, Karol Conká, Duquesa e Ebony estampam a capa da Billboard Brasil (Foto: Mila Maluhy)
AJULIACOSTA, Budah Stefanie, Karol Conká, Duquesa e Ebony estampam a capa da Billboard Brasil (Foto: Mila Maluhy)

 

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