Boicotado, Diogo Nogueira fala sobre política e mensagens espirituais do pai
De volta ao partido alto, cantor fala sobre intolerância, D2 e Gabigol
Diogo Nogueira supera o pai, João Nogueira, em termos de popularidade. Você pode refutar, mas é uma questão óbvia geracional-tecnológica. “Eu vivo tipo em um ‘Big Brother’. Não tinha isso na época do meu pai. Ele viveu outro tempo, com muito menos exposição”, analisa o filho corujíssimo que, além de todo DNA vocal — e beleza, também herdou o sangue rubro-negro. Ele usa a mesma análise para jogar um otimismo em torno da atual performance de Gabriel Barbosa, mas também o Gabi e, mais recentemente, novo camisa 10 do Flamengo.
“São tempos diferentes também. Eu gosto muito do Gabigol. Ele veste a camisa de uma forma que eu me identifico. As pessoas se esquecem de tudo o que ele fez, os títulos que ele deu. A fase é ruim? Ok, faz parte. Jogador do Flamengo tem de ser maluco. Eu gosto assim”, brinca o cantor que lança “Sagrado, vol. 1”, seu 13º álbum, cuja última composição é do pai João, uma canção perdida no tempo. O álbum, que traz João e a camisa do Mengo na capa, é apenas uma das formas com que o filho conversa com o pai.
“Ah… O tempo todo”, reflete enquanto muda o semblante, passando de um Diogo de fala contida e tímida para um mais tenro, para responder se ele conversa espiritualmente com o pai. “Eu falo muito com ele em sonho, cara. Ele aparece muito”, continua, balançando a cabeça, um outro Diogo. “O sonho é uma poesia, tem um lance espiritual. Me dá bronca, reclama, depois me beija, me abraça… É muito louco. E o sonhos são muito… reais. A sensação na pele”, diz passando a mão pelo braço e soltando uma gargalhada.
Diogo foi “achado” por “Meu Samba Anda Por Aí”, batuque (orgulhosamente) vadio do pai com Paulo Valdez. “Quando a gente botou pra ouvir a música, foi uma comoção geral”, diz relembrando o dia em que apresentou a canção durante reunião que determinaria as oito faixas do disco. “Não teve um na mesa que não chorou. Ficou um silêncio, uma magia. Aí botava de novo, de novo. Foi assim, cara, uma vibração… Isso tem dedo do homem… Esse homem tá mexendo em coisas e tá me mandando músicas”, conta para depois abrir a boca em outra gargalhada.
A canção, feita em algum ano dos anos 1970, chegou por meio de um zap do compositor e cantor João Martins. Diogo visualizou, mas não prestou atenção. Quando foi buscar compositores para o novo álbum, abriu a conversa com Martins e, então, finalmente, ouviu o áudio ignorado. “E aí eu li o que ele tinha escrito. ‘Essa música é do seu pai, é inédita’. E eu não tinha ouvido”, conta. Paulo Valdez Jr., filho do parceiro de João na canção, disse desconhecer a origem da música e os caminhos que ela tomou até chegar em Diogo. “É uma coisa espírita, que vem do além, não tem jeito”.
“Hoje em dia é tudo sacanagem, pô!”
O pé na areia, a caipirinha, a água de coco e a cervejinha (ou “a camisinha”, como cantam insistentes os mais engraçadinhos) foi o ápice de um Diogo que já enveredou como ícone romântico do samba. Sua carreira têm 13 discos. Desses, sete foram gravados ao vivo por um cantor expondo-se como líder de roda. Os outros seis exibem um Diogo experimental (como em “Bossa Negra”, com Hamilton de Holanda) e um suingado crooner romântico, que culminou no sucesso nacional “Pé Na Areia”.
“Isso vem de casa, cara”, começa. O segundo volume de “Sagrado”, segundo o cantor, retomará saudoso o “amor à moda antiga” que Diogo tem em mente. “Sabe esse amor positivo, vitorioso? Aquele amor que a gente precisa nos dias de hoje, sabe? Não quero coisa de ‘você me traiu’, de ‘tô sentindo sua falta’… Tentei trazer essas brincadeiras safadas e positivas pro segundo volume”, conta. Se no primeiro ele traz Thiaguinho da Serrinha como compositor agraciado em duas presenças, no segundo ele destaca a backing vocal Gabi de Paula. “É dela uma música linda, romântica, balançada”, adianta.
“Meu pai era romântico. Chegava em casa cheio de presentes pra minha mãe, jóias… E isso se perdeu um pouco, né?”, conta citando a música “À Moda Antiga”, de Arlindinho Cruz, Marcelinho Cruz e Márcio Picanha. “Eu gosto dessa coisa do galanteador, de quem cuida da mulher… Hoje em dia é tudo sacanagem, pô!”, diz, gargalhando, mais uma vez.
Um Diogo (ainda mais) celebridade…
“Acho que você pegou o espírito da coisa”, diz Diogo Nogueira, ao ser questionado sobre seu novo álbum e a tentativa de gravar partidos altos em época que coincide com a maior exposição das rodas de samba no Rio de Janeiro. É por meio das oito composições do álbum que Diogo as visita. Pessoalmente, tem sido difícil.
“Eu gostaria muito de frequentar mais”, começa expondo, com alguma ênfase no “muito”, como que cansado de ver-se também no papel de celebridade. “Eu cheguei em um lugar em que é muito difícil se divertir. Você acaba trabalhando muito, e não é na função de cantor. Aí, não dá pra sentir a energia do jeito que você deveria”, desabafa o agora também companheiro da atriz Paolla Oliveira, com quem frequentou uma roda pela última vez no dia 12 de junho, em visita ao Samba do Trabalhador, de Moacyr Luz, Mingo Silva, Nego Alvaro, Gabriel Cavalcanti, Daniel Neves, Junior de Oliveira, Nilson Visual, Alexandre Marmita e Luiz Augusto Lima.
Apesar do elenco estrelado da roda do bairro do Andaraí, na Zona Norte do Rio, o casal era uma constelação ambulante no Clube Renascença. “Eu fui pra curtir! Fui nem pra cantar mas, enfim, você acaba convidado pra isso. Mas tava lá, dançando com ela. Gostaria de ter mais tempo pra isso. Tenho um projeto que é chegar nessas rodas de samba, só que de surpresa”, ri Diogo.
…e boicotado por bolsonaristas
“Tudo o que aconteceu durante esses quatro anos que a gente passou foram bem difíceis”, diz. Recentemente, Diogo usou o TikTok para se expressar como defensor do candomblé, filho de Oxossi que é. “As pessoas precisam ter suas diferenças, mas destruir terreiros, destruir oferendas de orixás, exús… Isso precisa acabar. Como eu tenho uma voz ativa, por quê não falar? É uma questão de caráter, de posicionamento. É entender que o Brasil precisa ser administrado de uma forma correta. Saúde, educação e cultura. A gente não pode ser contra isso. E essa é a minha atitude, minha visão”.
Depois de quase ter sido confundido como bolsonarista pela própria namorada, Diogo resolveu persona-non-grata pelos simpatizantes da ultra-direta. “Eu estou achando ótimo isso [o boicote]. Primeiramente: eles não amam a cultura. Então, já começa por aí. Não fazem diferença. Não frequentam teatro, show, samba. Por favor, boicotem. Não vão fazer falta nenhuma em meu show”, brada para, mais uma, gargalhada.
Junto com o parceiro Marcelo D2, Diogo forma a dupla mais odiada do lado “B22” da internet. Coincidentemente ou não, a dupla é parceira em “Até Clarear”, do disco “IBORU”, último de inéditas do rapper no qual, tal como Diogo, presta tributo também às rodas de samba do Rio por meio da presença dos instrumentistas Hudson Santana e Eryck Quirino, ambos d’O Samba da Volta, roda sensação do centro da cidade natal. “Esse álbum é um resgate da batucada. É óbvio que ele usa coisas bem mais eletrônicas do que eu… Mas eu achei incrível. É de ouvir em casa, churrasco, cerveja, família. Eu achei maravilhoso. Eu, sem querer, fiz isso também. Não imitei o Marcelo, mas acho que a gente tá em falta desse sentimento nas ruas, nas rádios”, finaliza.