Marisa Monte estreia Phonica em São Paulo ovacionada e apoteótica
O estado de São Paulo estava em alerta para tempestades. O moço que vendia capas de chuva no portão 10 passava frio com o vento pesado que batia no parque Ibirapuera, mas contava com o sucesso do negócio.
Três moças animadas mandaram bater na boca quem previa que o céu trazia o ciclone extratropical anunciado pela Defesa Civil desde sexta. Ali, o abrigo que todos estavam procurando era o lugar com a melhor vista do palco que logo receberia Marisa Monte e sua turnê Phonica – Marisa Monte & Orquestra Ao Vivo.
Desde 19 de outubro, quando estreou em BH, a cantora, compositora e musicista carioca está apresentando grandes sucessos dos seus 40 anos de carreira ao lado de uma orquestra de 55 instrumentistas regida pelo maestro André Bachur. Hoje o primeiro show de São Paulo, na área externa do Auditório Ibirapuera. Amanhã tem outro. Ambos com ingressos esgotados.
19h15, quinze minutos antes do horário marcado para o início da apresentação, cai uma garoa fina. Cinco minutos depois, a orquestra sobe ao palco e começa a se posicionar.
Às 19h28, uma mulher de preto passa pelo palco jogando um spray. A pista vai se assanhando: “Será cheirinho?” “Ela vai começar na hora?”. Pode ser psicológico, mas, um minuto depois, começo a sentir um cheiro doce no ar, os gritos e assobios ficam mais alto. Uma instrumentista vai à frente do palco, faz uma reverência ao público, volta pra perto da orquestra e começa a tocar um violino. A garoa parou, mas o vento está bem forte. Entra o maestro. Ovacionado, ele agradece e começa a reger.
Marisa Monte aparece primeiro no telão, o palco tingido por luzes vermelhas. A galera grita. A artista entra caminhando pelo corredor central, em um vestido rosa rodado e cabelo preso com flores, em uma atmosfera que lembra Frida Kahlo.

Com sua guitarra preta a tiracolo, faz uma reverência à orquestra e começa a cantar “Vilarejo”, acompanhada fortemente pelos fãs. Muito ovacionada no fim da primeira música, ela reverencia a plateia.
E o que se vê a partir daí, apesar de toda a solenidade inicial, é um show pop, e não um evento erudito como poderia se supor pela presença da orquestra.
Logo depois da segunda música, “O Que Você Quer Saber de Verdade”, Marisa diz que está muito feliz de estar em São Paulo e que adora tocar no parque. “Que a gente tenha uma noite linda, feliz e inspiradora.”
O vento e a garoa, então, dão uma trégua.
E o público ganha “Infinito Particular”, “Carnavália”, “Maria de Verdade” e “Ao Meu Redor”, que Marisa interpreta com os braços tão intensamente quanto interpreta com a voz, hipnotizando quem a observa.
Fato que se repete na canção seguinte, “Sua Onda”, e em tantas outras em que a estrela não está tocando guitarra ou ukelele. “Sua Onda”, aliás, uma música novinha, que ela fez questão de apresentar: “Uma parceria minha com Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, acabou de ser lançada. Quando fui criar esse show, comecei a revisitar e me deu vontade de uma música fresca que apontasse para o futuro. No meio de clássicos, uma que marcasse esse nosso momento”.
E emendou então um clássico dos clássicos, “Ainda Bem”, cantada por um coro ensurdecedor. Ovacionada, ficou em silêncio emocionada por um tempo e retribuiu com um coração com as mãos.
O grande e volumoso vestido rosa de Marisa então escorrega ali na frente de todos e, embaixo dele, surge um dourado e justo, ambos do estilista Vitor Zerbinato. De rosa, ficaram as mangas. Um pedaço de cabelo é solto. Um gole d’água é tomado.
Ela aproveita para apresentar a banda: Dadi Carvalho na guitarra e no violão, Alberto Continenti no baixo, Pupillo na bateria (“ele também é um incrível produtor”) e Pedrinho da Serrinha no cavaquinho e percussão (“o caçula, acabou de fazer 18 anos, trabalha comigo desde os 16, é profissional desde os 8, podem se acostumar a vê-lo por aí”).

Vem então “Aliança”, “Amor I Love You”, com Arnaldo Antunes no telão declamando, e “Diariamente”. Aqui, um detalhe, quando Marisa cantou o verso “Para a mulher que aborta, repouso”, algumas pessoas ensaiaram palmas e assovios, no que parecia ser um protesto contra a “PDL da pedofilia”, um projeto de lei aprovado na Câmera na semana passada que dificulta o aborto para menores vítimas de violência sexual. Mas, infelizmente, foram poucas as manifestações e não virou realmente um apoio que a causa merece para pressionar o Senado a rejeitar o PDL.
Hora de um bloco de românticas matadoras. Marisa então pega sua guitarra e se senta num banquinho. “Beija Eu”, “É Você” e ”De Mais Ninguém”. Para “Depois”, ela se levanta sem guitarra, canta interpretando dramaticamente e interagindo com a plateia e ganha a ovacionada mais entusiasmada até aqui. A cantora então esconde o rosto no microfone, emocionada. Mas não por muito tempo, porque o clima vai mudar totalmente com “Ainda Lembro”.
Aos gritos de “linda”, “maravilhosa” e “gostosa”, Marisa apresenta “A Sua” e “Gentileza” para então chegar em “Segue o Seco”, música de Carlinhos Brown que já foi considerada a mais bonita sobre seca depois de “Asa Branca”.
Aqui, Marisa apresentou a orquestra -que ela chamou de fenomenal-, pediu palmas e disse que todos estariam creditados no telão. “É uma experiência musical mágica, inspiradora e transcendental.” Sobre o maestro, disse ser um grande parceiro desde o início do projeto. “Foi a ponte mágica entre meu trabalho e a música erudita”, completou.
Já se encaminhando para o fim do show, “Panis et Circenses” (de Caetano Veloso e Gilberto Gil, imortalizada pelos Mutantes de Rita Lee e gravada por Marisa em “Barulhinho Bom” em 1996) e “Cérebro Eletrônico (Gilberto Gil) abriram caminho para dois grandes hits da carreira de Marisa.
“Feliz, Alegre e Forte” é atual, está onipresente e tem muita força, mas nada se compara à força de “A Lenda das Sereias – Rainha do Mar”. Lançada em 1989, em “MM”, no álbum de estreia de Marisa Monte, aquele que tinha “Bem Que Se Quis” e “Chocolate”, a faixa atravessou o tempo como um hino e foi entoada no Ibirapuera em uníssono e encerrou o show apoteoticamente. Mas ainda tinha o bis.
O ato final trouxe “Magamalabares”, “Velha Infância” e “Não Vá Embora”, cujo refrão passou a ser repetido pela plateia após o fim da música para que Marisa não encerrasse o show. “Não vá embora. Não me deixe nunca, nunca mais!!”
“A energia de vocês está lá em cima, mas gostaria que vocês fossem embora com o coração quentinho. Vamos tocar um hino brasileiro, todos sabemos de cor, mais de cem anos sobrevivendo, geração após geração. Eu ia amar se pudéssemos cantar juntos. É uma homenagem à música brasileira.”
“Meu coração, não sei por que, bate feliz quando te vê…”
E todos cantaram “Carinhoso”.
E enquanto iam embora com o coração quentinho, a garoa se instalava de novo na cidade.
PS.
Os efeitos do trabalho de Batman Zavareze, diretor artístico da turnê, merecem destaque. A forma como as luzes mimetizam com as músicas é fascinante. Em “Infinito Particular”, por exemplo, o palco se transforma em um céu estrelado, com luz azul e pontos brancos. Já em “Segue o Seco”, a luz amarela alaranjada evoca um sol queimando o céu do Nordeste. O clima muda completamente de “Depois” para “Ainda Lembro”, quando as luzes emulam um globo de espelhos. E tudo ganha um tom psicodélico no momento de “Panis et Circenses”. A experiência sensorial se torna intensamente mais rica com essa percepção.
Veja agenda da Turnê ‘Phonica’ – Marisa Monte & Orquestra ao Vivo
8 e 9 de novembro – São Paulo – Parque Ibirapuera
15 de novembro – Curitiba – Pedreira Paulo Leminski
29 de novembro – Brasília – Gramado do Eixo Cultural Ibero-Americano
6 de dezembro – Porto Alegre – Parque Harmonia
Setlist (2 horas de show)
- Vilarejo
(Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Pedro Baby, 2006) - O Que Você Quer Saber de Verdade
(Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, 2006) - Infinito Particular
(Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, 2006) - Carnavália
(Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte, 2002) - Maria de Verdade
(Carlinhos Brown, 1994) - Ao Meu Redor
(Nando Reis, 1994) - Sua Onda
(Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, 2025) - Ainda Bem
(Marisa Monte e Arnaldo Antunes, 2011) - Aliança
(Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte, Pedro Baby e Pretinho da Serrinha, 2017) - Amor, I Love You
(Carlinhos Brown e Marisa Monte, 2000) - Diariamente
(Nando Reis, 1991) - Beija Eu
(Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Arto Lindsay, 1991) - É Você
(Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte, 2002) - De Mais Ninguém
(Marisa Monte e Arnaldo Antunes, 1994) - Depois
(Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte, 2011) - Ainda Lembro(Marisa Monte e Nando Reis, 1991)
- A Sua
(Marisa Monte, 2001) - Gentileza
(Marisa Monte, 2000) - Segue o Seco
(Carlinhos Brown, 1994) - Panis et Circenses
(Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1968) - Cérebro Eletrônico
(Gilberto Gil, 1969) - Feliz, Alegre e Forte
(Marisa Monte, Pretinho da Serrinha e Rachell Luz, 2022) - A Lenda das Sereias – Rainha do Mar
(Vicente Mattos, Dinoel Sampaio e Arlindo Velloso, 1975). - Magamalabares
(Carlinhos Brown, 1996) - Velha Infância
(Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte, Davi Moraes e Pedro Baby, 2002) - Não Vá Embora
(Marisa Monte e Arnaldo Antunes, 2000) - Carinhoso
(Pixinguinha, 1917, com letra posterior de Braguinha, 1937)








