K-dramas: pontes para novas descobertas musicais
Produções românticas e emocionantes conquistam brasileiros
No interior do Rio Grande do Sul, Luiz Carlos Pacheco aproveita a aposentadoria no ritmo tranquilo do campo. O gaúcho de 67 anos alterna as tarefas do sítio com mergulhos em histórias vindas do outro lado do mundo. Há quase uma década, sua filha mais nova, Mayara Pacheco Rodrigues, de 34 anos, o apresentou aos dramas coreanos. O que começou apenas como companhia para a jovem virou parte da rotina, que compartilha com o pai.
Na lista feita especialmente para a entrevista com a Billboard Brasil, o gaúcho nomeia seus títulos favoritos. O melhor? “Pousando no Amor”, lançado em 2019 pela Netflix. “Chorei assistindo. Eles lutam por aquele amor e não desistem. Isso é muito bonito”, explica. Ao lado da primogênita, Seu Luiz elogia as cenas de ação de “Vincenzo” (2021), o romance de “Beleza Verdadeira” (2020) e o poder da amizade em “Classe dos Heróis Fracos” (2022). Nos últimos anos, o hábito ficou mais especial. “Virou um programa de família. No final de semana, todo mundo vem para cá e assiste. A casa está sempre cheia”, conta a professora.
Nos finais de semana, Luiz recebe as filhas, sobrinhas e as sete netas no sítio. Todos se reúnem na sala para assistir a um episódio de K-drama juntos. “Alguns dramas falam sobre estudo, e acho que meu pai se relaciona com isso também. Ele e minha mãe não puderam estudar e até foram para o EJA (Educação de Jovens e Adultos) depois de adultos”, acrescenta Mayara. “Já vi mais de 30 dramas. Tem que olhar a história e prestar atenção. Os atores trabalham muito bem. Tem que dar uma chance!”, incentiva Seu Luiz, que avisa em seguida: só gosta das histórias com final feliz.

A paixão do gaúcho pelos dramas sul-coreanos não é um caso isolado: ela reflete uma tendência crescente entre os brasileiros nos últimos anos. O país é um dos maiores mercados da plataforma de streaming Rakuten Viki – com quase 10 milhões de usuários registrados e um crescimento de 45% ano a ano. No Brasil, o tempo total de exibição das séries aumentou quase 30% de 2023 para 2024, segundo dados da empresa.
“O público brasileiro está entre os mais engajados quando se trata de streaming. Não apenas assistem ao conteúdo, mas também participam ativamente das discussões on-line, criam páginas de fãs e interagem nas redes sociais”, diz Karen Paek, vice-presidente de marketing do Rakuten Viki. A plataforma tem planos de assinatura a partir de R$ 25. “Essa paixão dos brasileiros se reflete na rapidez com que adotam novas tendências e contribuem para a popularidade dos programas. O alto nível de interação torna o Brasil um público-chave, não apenas em audiência, mas também em promoção orgânica, ajudando o conteúdo a alcançar ainda mais pessoas.”
O que explica esse fenômeno? Temas universais como amor, amizade, superação e até vingança permeiam não só os dramas sul-coreanos, mas também as famosas novelas brasileiras. Amores impossíveis, segredos de família e vilões marcantes atravessam barreiras culturais e são a fórmula perfeita para deixar Seu Luiz e outras centenas de milhares de fãs presos na frente da tela.
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“As produções são muito detalhistas e permitem que os espectadores mergulhem nas emoções do personagem principal em vez de ver as coisas de uma perspectiva em terceira pessoa”, avalia Kim Ji Yeon, protagonista de “O Palácio Assombrado” (2025) e integrante do grupo feminino de K-pop Cosmic Girls. Somados à alta qualidade de produção e roteiros envolventes, esses elementos transformaram os K-dramas em uma tendência global.
De acordo com uma pesquisa divulgada pela Fabric Data, 19% dos domicílios com acesso à internet no Brasil demonstram interesse por dramas coreanos. Essa preferência aumentou 30% entre o quarto trimestre de 2023 e o mesmo período de 2024. Além disso, a crescente oferta de legendas e dublagens em português tornou o acesso ainda mais democrático.
“O Viki possui recursos de produto que incluem classificação e avaliação, comentários e coleções de títulos para os fãs. Isso também é uma forma de ter feedback sobre o que nosso público está procurando. No momento, estamos nos concentrando nesses recursos, que são nossos diferenciais, para engajar nossos usuários e atrair novos públicos para nossa plataforma”, avalia Karen.

Com histórias que priorizam o afeto – com pouca ou nenhuma conotação sexual –, os K-dramas oferecem uma experiência emocional que contrastam com outras produções. Para a neuropsicóloga Claudia Azevedo, os temas podem trazer um impacto positivo nos espectadores.
“Quando vemos demonstrações de amor, cuidado, leveza e carinho, isso ativa áreas do nosso cérebro. Nós temos vontade de assistir aquilo, de estar ali dentro sentindo aquele cuidado. Por isso é agradável. Nós estamos carentes disso. Temos uma vida corrida, atribulada e muitas coisas passam despercebidas”, explica a paulistana.
Ela diz que é necessário fazer uma imersão nas temáticas abordadas nas histórias. “É possível perceber algo similar ao que você sente ou passa? É possível ter essa reflexão de novos sentidos, de questionamentos do que cada um quer para si. Essa análise permite novos caminhos cerebrais e proporciona mudanças significativas na vida de cada um”.
Claudia confessa que já foi relutante com os K-dramas. “Eu dizia que as pessoas perdiam tempo assistindo, mas me enganei. Não é perda de tempo. Ver essas produções é uma oportunidade de se redescobrir. Elas podem trazer questões que fazem sentido na nossa vida e propósito. E uma pessoa só muda quando tem um propósito a algo.”

Do outro lado da telinha
Em 2023, a Netflix anunciou um investimento de R$ 13 bilhões em conteúdo sul-coreano. No nível global, os K-dramas só perdem para os programas e filmes norte-americanos na plataforma em número total de horas de exibição, segundo o relatório da Ampere Analysis. Os elencos das produções são frequentemente incrementados com estrelas do K-pop – Jisoo (BLACKPINK), Yunho (ATEEZ), Cha Eun-woo (ASTRO), Kyungsoo (EXO), Taecyeon (2PM), Rowoon (SF9), Park Jinyoung (GOT7), entre muitos outros, dividem a carreira entre os palcos e as telinhas.
É o caso da solista Lee Jieun, também conhecida como IU. Com cinco álbuns de estúdio e 3,7 bilhões de visualizações em seus vídeos no YouTube, ela é considerada uma das maiores cantoras da música pop sul-coreana. Em março, a atriz protagonizou o recente sucesso da Netflix, “Se a Vida te Der Tangerinas…”.
A série explora as complexidades da vida e do amor em diferentes gerações. “Seja na atuação ou na música, tudo se resume à expressão e, nesse sentido, as duas coisas não são tão diferentes uma da outra. Faço isso sem perceber, mas quando preciso decorar falas muito longas, acabo usando uma espécie de cadência ou ritmo nesses diálogos. Acho que é apenas um hábito que vem do meu lado musical”, conta IU para a Billboard Brasil.

Outra tradição dos K-dramas é ter uma trilha sonora original – e frequentemente os astros de K-pop são os responsáveis por interpretar essas canções. “Elas servem como um elemento-chave que realça as emoções dos atores, especialmente em momentos sem diálogo e ajudam a aprofundar a imersão do público no drama”, avalia SAN-HA, integrante do grupo ASTRO, que atuou em séries como “O Amor Volta Para Casa” (2024) e “Noiva Por Vingança” (2022).
“Para que uma trilha sonora original seja amada e lembrada, ela não só precisa de ótima composição, arranjos e vocais, como também precisa capturar a atmosfera da cena”, acrescenta YECHAN, membro do grupo masculino OMEGA X. “O que o público mais gosta nos K-dramas é o ponto de ‘palpitação’, quando você se sente animado e vibrando com o enredo do drama ou com as cenas românticas”, diz JEHYUN.
A trilha sonora original foi um dos fatores determinantes para o sucesso do filme “Guerreiras do K-pop”, lançada em junho deste ano na Netflix. A história acompanha as superestrelas do grupo HUNTR/X Rumi, Mira e Zoey, que usam suas identidades secretas como caçadoras de demônios para proteger seus fãs do perigo sobrenatural sempre presente.

A maior ameaça vem na forma do grupo rival Saja Boys, que, na verdade, são demônios disfarçados. A animação da Sony Pictures Animation bateu recordes nos charts da Billboard e nas plataformas de streaming. “Golden”, música das protagonistas que fala sobre autoconfiança, atingiu o 2º lugar do Hot 100 – ultrapassando o sucesso das canções de “Wicked” (2024). Outro exemplo é “You Idol”, música interpretada pelos Saja Boys, que alcançou a 12ª posição.
“Tive o privilégio de ter tido sucesso anterior com composições, mas o sucesso de ‘Guerreiras do K-pop’ é especial para mim. Era uma ideia tão nova e não comprovada, e tudo o que tínhamos era um grupo de pessoas que acreditavam profundamente nela e estavam dispostas a trabalhar duro para torná-la realidade”, conta Danny Chung. O cantor, compositor e produtor foi um dos responsáveis pelas letras da trilha sonora da animação. Ele também dublou Baby Saja, um dos integrantes do grupo vilão.
“Todos os envolvidos são extremamente talentosos, mas o tipo de reconhecimento que este filme e a trilha sonora vêm recebendo não acontece sem que as estrelas se alinhem. O maior agradecimento vai para todos que deram uma chance ao filme e apertaram o play”.
Ouça a trilha sonora de ‘Guerreiras do K-pop’
Há mais de 10 anos, Danny se dedica à criação de canções no K-pop – sendo creditado como compositor em grandes hits como “Lovesick Girls” e “How You Like That”, do BLACKPINK. “Quando você ouve uma música antiga e favorita, ela não te transporta imediatamente de volta àquela lembrança exata de que ela se tornou algo especial para você? As músicas desta trilha sonora são importantes nesse sentido. Elas são marcos para a história e para o desenvolvimento dos personagens ao longo do caminho para a criação desse universo”, avalia.
O sucesso dos K-dramas caminha ao lado da popularidade crescente do K-pop, da gastronomia coreana e dos produtos de beleza do país. “Tem sido um reconhecimento e uma celebração da cultura em geral, o que a torna muito mais bonita. Quando se fala especificamente de dramas, não sei se existe um veículo melhor para transmitir emoção do que a música. Acredito que as trilhas sonoras podem dividir esse lugar com os escritores, diretores e produtores.”
[Esta reportagem está na 17ª edição da Billboard Brasil. Adquira a sua revista aqui.]









