Por dentro do backstage: conheça quem faz o show acontecer
Fabiana Lian mostra como se desenvolve os bastidores dos espetáculos musicais
O backstage tem cheiro. Uma trama composta por fitas adesivas, equipamento, eletricidade, o carpete preto, talvez suor, maquina de fumaça, metal.
Só agora, 30 anos depois da primeira vez atrás do palco, longe da rotina de shows, descobri isso. Foi um dia qualquer, quando precisei subir ao palco para a passagem de som da banda do meu filho no MFM – Hacktown. E algo me deu um conforto familiar imediato.
Saí perguntando para Stage Managers que devem ter bufado – lá vem ela de novo, com as perguntas esquisitas. “Nossa, nunca pensei nisso!”, foi a resposta imediata.
As narinas não estão treinadas a nos contar racionalmente. Mas estão ali, enviando a mensagem para o cérebro que produz respostas instintivas aos bichos de backstage. Uma tribo que entra no palco e assume uma responsabilidade de executivo implacável.
Show é projeto sem plano B. Tem lugar, data e hora para acontecer. E não pode dar errado.
09:00- Espaço Unimed: Gabriel começa a abrir o caminhão de equipamentos da Luedji Luna. Com Adilson, Junior, Sidney e Roger, os quatro carregadores, organiza os 57 cases na ordem da montagem no palco.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), compilados no boletim da ABRAPE – Associação Brasileira de promotores de Eventos, o total de vagas disponíveis no mercado de evento de janeiro a junho de 2025 está 76,3% acima dos níveis de 2019, enquanto a média nacional de crescimento no mesmo período foi de 21,9%.
Considerando o apagão e o ambiente de descrença que vivemos de 2020 a 2022, os dados acima são uma evolução que traduz muito bem a avidez e apetite de empresas, público e principalmente de profissionais da área por realização de shows.
Se no mês passado você esteve no show da Kylie Minogue e adorou as luzes, ouviu a voz dela super bem, se impressionou com a coreografia, e o cinema gráfico que ela faz no palco, ou se esteve em alguma outra experiência que te impactou, te convido a fazer um exercício rápido.
Vamos observar os espetáculos e pensar: quantas pessoas será que fizeram aquele elevador funcionar, ou os mappings contarem a história sincronizada com dança, música e luz? Que tipo de habilidade elas têm? E quem é essa gente que circula de preto antes, durante e depois do show? Como vivem, que língua falam, do que se alimentam e quantos são?
10:30- Espaço Unimed: Amanda, a designer de iluminação olha da housemix e pede para o roadie Joba ficar imóvel perto do amplificador para acertar o foco do baixista. Enquanto isso, Regiane, coordenadora de rádio frequência, entrega o rádio para ela, depois de testar o sinal e bateria.
Quando se fala em turnê ou show de um artista de midstream, estamos falando de pelo menos 15 funções que entregam para o público aquela festa a partir do primeiro acorde.
O show começa a quilômetros do local do show e muitas horas antes.
14:30- Hotel Transamérica: Marina fala com o fornecedor de van, sobre a chegada do motorista que vai substituir o veículo que quebrou. Um atraso de 15 minutos. Imediatamente manda mensagem no WhatsApp da Sara, no palco do Blue Note: passagem de som foi para às 16:15, tá?
Vamos começar pequeno e falar de um universo de casa de 300 lugares. Aconchegante, os shows não costumam ter efeitos especiais, o contato com o público é mais próximo. Uma oportunidade para o artista se mostrar vulnerável e real.
18:00- Casa Rockambole: a passagem de som da banda está quase no final. Lina imprime o QR code do PIX, enquanto João monta a lojinha com camisetas legais separadas por tamanho e coloca os adesivos bem visíveis. Vai vender tudo, eles sabem. É lançamento do álbum.
Até chegar à residência do Jonathan Ferr no Bona em São Paulo, sua empresária, Tânia Arthur fez contrato com a casa, a assessoria planejou a comunicação, fizeram anúncios na rede. Teve ensaio com aluguel de estúdio, teve equipe trabalhando pelo menos dois meses antes.
19:00 – Bona: Tânia adiciona um nome à lista de convidados. A equipe reduzida, eficiente e habituada às sutilezas que um show em um espaço como esse propõe. A produtora avisa que teve um pequeno problema no cabo de um instrumento, mas já estão resolvendo. Designer de luz do artista já está feliz com as cenas montadas, e Jonathan seguro com o som que o técnico da casa faz.
Vamos para o Espaço Unimed, comecinho da turnê da Luedji Luna.
Tem uma programação bem cuidada de vídeo e iluminação, dá para ver que a artista está com um dispositivo no ouvido e os praticáveis e acrílicos fazem uma escultura lógica.
O planejamento começou bem antes, assim como briefings, ensaios técnicos, combinados, documentos, planilhas. Criar show é criar algo realizável, que caiba no orçamento. Coisa de profissionais que não conseguem estar longe disso.
Nesse período, muitos e-mails enviados para acertar o rider e cronograma com a casa de show e lidar com as adaptações necessárias. Uma equipe de 53 pessoas trabalhando para essa data e 20 delas para as próximas 12 em cidades distintas.
20:00- Ginásio do Ibirapuera– Rodolpho abandona o prato no Catering e sai apressado em direção ao palco falando no rádio. Meire, produtora artística entendeu que tem algo bem errado. A produção da artista, tensa. O clima na tribo de preto é de urgência, segurança e uma estranha serenidade no mesmo caldeirão.
20:20-Ginásio do Ibirapuera: Rodolpho no rádio pra todos: Pessoal, problema do gerador do palco resolvido! Segue o baile!
40 minutos para o início do show. ufa
E agora, vamos finalmente voltar para Kylie Minogue em São Paulo, já no fim da turnê de 60 shows que começou em fevereiro. Bailarinos, instrumentistas e cantores desenhados em palco, palco avançado, painéis de led, iluminação, laser.
Enquanto está rolando Supernova, terceiro figurino no palco avançado, mais 40 pessoas da equipe da artista, os de preto na parte técnica, housemix, palco, sala de produção, somados a 50 profissionais locais munidos de notebooks ligados e WhatsApp comendo solto, trabalham para os shows das próximas semanas, além de entregar o espetáculo audiovisual que está rolando.
00:30 – Ginásio do Ibirapuera: Rodolpho e o Production Manager da artista passam pelo Gabriel da Entretê, de camarins, que está levando caixas para o carro, enquanto Meire os espera sonolenta, na van com a porta aberta.
Jonny e Edivan, os carregadores, sobem o último case para o caminhão. Com um assobio e um sinal de joinha, Rodolpho libera o motorista para partir.
Na última Van para o hotel, o trio agora tem tempo para rir dos 20 minutos de filme de terror pouco antes das portas abrirem.
A tribo resolveu. É o que ela faz.
À tarde, os meus amigos e profissionais que fui perturbar com o negócio do cheiro do palco me respondem.
Aline descreve: “Amadeirado, plástico, adocicado”. E protesta rindo: “Era mais fácil se fosse falar de tato: seco, áspero, firme!”, disse.
Rogério é mais direto: “Tem cheiro de máquina de fumaça”.
As situações em itálico são adivinhadas ou imaginadas, mas os nomes utilizados são reais, de personagens artesãos do processo da entrega do espetáculo.
No seu próximo show, inspire fundo e veja se esse cheiro te conta que você está perto da tribo invisível. Ela está lá, de preto, pronta para a próxima empreitada.
Fabiana Lian está a frente da On Stage Exp. É co-autora e organizadora do livro “Enquanto Você Toca – Guia comentado e biografia coletiva do Showbusiness”