Nelson Motta, o incansável, revela segredos do Festival Doce Maravilha
Confira entrevista exclusiva à Billboard Brasil
Uma das minhas frases prediletas sobre a devoção ao mundo das artes partiu do maestro alemão Kurt Masur (1927-2015). Quando perguntado sobre seus planos para a aposentadoria, simplesmente disse: “Regentes não se aposentam. Regentes morrem”, sapecou ele, que subiu ao pódio das salas de concerto enquanto teve forças.
O jornalista, diretor artístico, compositor, teatrólogo e escritor Nelson Motta tem 80 anos (e deverá viver por pelo menos mais dois séculos). Mas sua paixão pelo universo do showbiz é impagável e incansável, de fazer inveja à vitalidade de Masur.
Ele é o curador do Doce Maravilha, festival que se caracteriza pela programação versátil e grandes encontros, e que acontece nos dias 27 e 28 de setembro no Jockey Clube, no Rio de Janeiro.
“Eu e Luiz Oscar Niemeyer tivemos a ideia do Doce Maravilha há uns dez doze anos, mas não conseguimos realizar na época. Porém, ficou a ideia de celebrar a diversidade e a arte do encontro, sobretudo num tempo de polarização grande, onde tudo se divide e separa”, diz ele, em entrevista para a Billboard Brasil. “Estamos fazendo o contrário de mostrar que às vezes artistas aparentemente muito diversos podem dar um match perfeito”, concluiu.
E bota diverso nisso. A versão 2025 do Doce Maravilha traz, por exemplo, o encontro de Marisa Monte com Ney Matogrosso.
“Não tenho a menor ideia do que pode acontecer. O Ney é um artista inqualificável, que fez ópera, samba, rock: é exuberante, dança, canta, salta pelo palco e tudo. Já a Marisa desenvolveu muito um lado autoral e nas apresentações dela, e é uma diva de ópera que canta música popular. E é quieta, tranquila. Então é esse contraste entre a energia esfuziante do Ney e essa, e essa discrição da Marisa. O que não tira swing, sentimento nem nada, são duas formas diferentes de apresentar a sua arte”, explica Nelson.
Na seara dos encontros, Doce Maravilha traz ainda o rock/pop da cantora Duda Brack com o sambista Marcos Sacramento, Pretinho da Serrinha com João Bosco e Paulinho Moska, e pelo menos dois cruzamentos em que os artistas estarão em campo seguro. Nando Reis terá a companhia no palco de seu parceiro, Samuel Rosa, e Zeca Pagodinho fará uma festa ao lado de Martinho da Vila e Alcione. Outros cruzamentos que prometem são os de Lamparina com Mariana Aydar, Melly com Rashid e as cantoras Dora Morelenbaum e Jadsa.
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No campo dos tributos, um dos que mais deixa Nelson Motta emocionado é a homenagem que será feita a Erasmo Carlos (1941-2022), a cargo da Orquestra Imperial e dos cantores Gaby Amarantos e Jota.Pê. “Vou me comover muitíssimo com essa celebração e sei que será um repertório duro de escolher. Roberto e Erasmo Carlos possuem mais de setenta hits”, adianta o curador. “Se você juntar Tom Jobim, Chico Buarque e Djavan não dá quantidade de sucessos da dupla.” Wilson Simonal (1938-2000) e Raul Seixas (1945-1989) são outros nomes que terão seu repertório lembrado no festival.
Nelson Motta, o incansável, vai ainda atacar de DJ entre uma apresentação e outra. Ele traz para o Doce Maravilha sua performance nas pick ups, que tem sido apresentada de tempos em tempos na festa Gudinaite.
“Eu tive cinco casas noturnas e nunca gostei de dançar. Mas vi grandes mestres das discotecagens como Ademir Lemos, Big Boy, Dom Pepe… Mas nunca tive a chance de discotecar”, confessa Nelson.
O convite de Patrícia Parenza, responsável pela Gudinaite caiu como uma luva. “Foi um sucesso, estamos indo para a quarta edição: tudo abarrotado, todo mundo feliz.” E como será o DJ Nelson no Doce Maravilha? “Estou preparando um set de músicas brasileiras dançantes de várias épocas. Espero servir o filé da música dançante, que foi apelidada pelo [poeta e líder da Gang 90] Júlio Barroso de música ‘prá pular’ brasileira”, resume Nelson.
“A apresentação no Doce Maravilha será uma homenagem aos meus dois amigos da vida toda: Dom Pepe e Júlio Barroso. E como diria Pepe, ‘vou fazer vocês pularem feito pipoca’.”
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Nelson Motta, o multi homem, prepara ainda uma nova versão do musical dedicado a Tim Maia (1942-1998). Em setembro sai o musical “Vale Tudo”, onde Nelson trabalha em parceria com o diretor Pedro Brício.
“Não será um espetáculo biográfico, será uma celebração. Misturando teatro musical com televisão com show, stand-up comedy… Vamos celebrar Tim Maia”, anima-se o jornalista, que também assinou “Elis, a Musical”, dedicado a Elis Regina (1945-1982) e “S’imbora, o Musical: A História de Wilson Simonal”, além do autobiográfico “O Frenético Dancin’ Days”, escrito em parceria com Patrícia Andrade e com direção de Deborah Colker.
“Estou tendo enorme prazer em escrever para teatro musical, que era uma coisa que eu nunca tinha feito – fui aprender fazendo, né? É uma espécie de ópera popular”, resume.
Nelson Motta, o internacional, morou em Nova York de 1992 a 2000. Durante esse período, ele absorveu algo dos espetáculos da Broadway.
“Sempre detestei a Broadway. Os musicais que eu gostava e que gosto até hoje são de um tempo que eu não era nem nascido, que é a grande era de ouro, os espetáculos do Cole Porter, dos irmãos [George e Ira] Gershwin, toda a idade de ouro da música americana”, confessa.
Mas então, pergunto o que motiva Nelson fazer musicais no Brasil.
“Formou-se uma geração de atores que cantam, dançam e representam, como é feito nos palcos americanos e por muito tempo fazia falta no Brasil. Quem cantava não dançava, quem dançava não interpretava bem, quem interpretava não sabia cantar… Hoje você promove audições e surgem 200, 300 candidatos altamente profissionais.”
Nelson Motta, o antenado, revela como organiza o seu tempo para escutar música nova e o que mudou com relação a atualizações.
“Não tenho tanta disposição, funciono mais com indicações de amigos. Quando alguma coisa me chama a atenção, vou no Spotify. Aí uma acaba puxando a outra e puxando a outra, é assim que eu vou. Foi uma grande libertação, já faz muitos anos que eu tinha essa obrigação de estar atualizado com tudo que acontece na música”, confessa.
“Durante anos da minha vida eu vivi essa tortura. Tinha que estar atualizado, saber tudo do melhor e do pior que tava acontecendo”, relembra.
As audições são realizadas sempre no período da manhã, na praia, onde ouve as músicas “como se fossem horóscopo”. “Na verdade, a música que eu mais gosto de ouvir, que estou sempre ouvindo o gênero, é justamente essa grande música americana, anos 1940, 1950, muitas compostas quando eu nem era nascido”, diz. Mas não se enganem com essa aparente “falta” de interesse. Nelson Motta, o jovem, tem vitalidade para nos encantar por mais dois séculos.
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