De Jorge Vercillo a Racionais, de Matuê a BK: como Djavan ‘djaveneou’ a MPB
Alagoano fez aniversário nesta segunda (27)


O nome de Djavan é memético na música popular brasileira. O aniversariante desta segunda (27), foi homenageado (e também atacado) por ser um compositor, arranjador e cantor de muita influência no cenário nacional. De Caetano Veloso à Luedji Luna e com uma grande margem de adoração no rap e no trap, ele é autor de clássicos que nem foram para rádio e de sucessos que, além de sucesso, foram decisivos para inspirar outros artistas.
Quando Jorge Vercillo emplaca “Que Nem Maré”, em 2002, as acusações de que ele seria parecido com Djavan eram quase difamatórias —em entrevista a Billboard Brasil, Jorge conta como foi ser elogiado pelo ídolo.
Recentemente, artistas como Luccas Carlos e 5 a Seco, por exemplo, dedicaram obras em homenagem ao compositor que, por muito tempo, foi considerado um gênio —e, por muitas vezes na imprensa, de forma injusta e persecutória, um mala que escrevia versos incompreensíveis.
Um bromance com Caetano Veloso e o verbo ‘djavanear’
Em 1982, Djavan estava indo para seu quinto álbum, “Luz”. O hit deste álbum dá uma dimensão de como a obra do Djavan pode circular entre o sucesso e a descoberta: “Sina”, um dos maiores hits da carreira dele, só foi virar “mais tocada” quatro anos depois, em 1986. É nela que o compositor homenageia o amor e também Caetano Veloso com o verbo “caetanear”, como que dizendo para ouvinte tudo o que representa o amor do eu lírico na canção.
Neste vídeo de 1983, a dupla divide o palco e a composição e é possível sentir a tensão amorosa que emana do encontro. Cavaleiro, Caetano Veloso inverte a homenagem para “djavanear”, forma como também registrou a canção no álbum “Cores”, também de 1982.
As menções no samba: de Revelação a Reinaldo
Djavan é amado nas rodas de samba. Clássicos como “Flor de Lis” e “Se…” são, até hoje, tocadas em rodas que permitem abertura à MPB radiofônica. Com muitas canções criadas na harmônia do samba, Djavan viu sucessos como esses reviverem pelas mãos de grupos como o Revelação (que gravou “Eu Te Devoro” e “Se…” no impactante álbum “Ao Vivo No Olimpo”, de 2002) e ser citado na canção “Ela Não Entendeu”, de Reinaldo (1954-2019) —o Príncipe do Samba. Na canção, o compositor diz que “Ela se aborreceu” e que “já não se diz minha fã” e “suspira ao ouvir Djavan… só para me provocar”.
A turma do rap e R&B que ama Djavan
Conhecedor do amor, Djavan caiu no gosto dos rappers, trappers e cantores que gostam de love songs. Esse quase subgênero dedicado à barras destinadas ao amor tem a presença do compositor nominalmente. Por exemplo: Em 2016, o cantor Jé lançou “Flow Djavan”; em 2023, Luccas Carlos gravou “DJAVAN”, no álbum “Dois”, de 2023 (“Escutei Djavan para ver se eu entendia mais de amor”, canta em um house-rap).
Mas não é só a nova geração. Uma das grandes letras do álbum clássico “Sobrevivendo no Inferno”, de 1995, dos Racionais MCs, sampleia a dolorida “Esquinas”, do álbum “Lilás”. “Me chamar de ‘meu preto’ e cantar Djavan”, diz Ice Blue (aos 3:39) enquanto KL Jay faz scratch com a voz original do cantor. Em 2010, Emicida sampleou a emblemática “Açaí” na canção “Velhos Amigos”. Além deles, Dja também foi sampleado por grupos como Voz da Periferia (“Fita Dominada” que sampleia “Ventos do Norte”), Apocalipse 16 (que sampleia “Tenha Calma” em “Prus Mano Um Salve Pras Mina Um Beijo”) e Facção Central (“Esquinas” em “É Pra Vocês Faccionários”).
Lançado nesta terça (28), “Diamantes, Lágrimas e Rostos Para Esquecer”, quinto álbum do rapper BK’, também traz Djavan. “Ter minha obra revisitada por artistas de gerações mais jovens reafirma a diversidade da minha música e me deixa muito feliz. BK’ é um cronista da realidade brasileira. Gostei do resultado”, disse o homenageado. A faixa “Só Eu Sei” também pega carona nos versos de “Esquinas”:
Matuê e a autorização para samplear ‘Oceano’
Dono do Billboard Brasil Hot 100 por dois meses, Matuê quis se reinventar como produtor e trapstar em “333”. Um dos sucessos do álbum é a instigante “Crack Com Muçilon” que faz uso de uma versão menos popular da popularíssima “Oceano”.
“Tinha dia em que o objetivo era só samplear”, contou o rapper em entrevista exclusiva. Em uma dessas sessões, ele debulhou o YouTube em busca de uma do alagoano e se encantou com uma versão ao vivo do hit “Oceano”, de 1989, gravada durante a turnê “Rua dos Amores”, de 2012. “De repente, ele começa a fazer uma série de melismas com a voz”, explica. Pensou em tentar autorização para usar a música. “Fiquei sabendo que ele gosta de tudo detalhadinho: nome da música, explicação da letra. Aí eu pensei fu…”, se diverte.
Depois de arregimentar palavras mais sóbrias e jurídicas, Tuê viu o pedido ser aceito, e “Crack com Muçilon” ganhava a poesia na qual o eu-lírico sofre em um deserto da solidão e implora pelo oceano do amor. Exatamente o que o requerente enfrentou entre 2022 e 2024. “[Quando recebemos a notícia] Foi uma gritaria e um dos dias mais felizes da minha vida”.
A ‘velha’ e a ‘nova’ MPB que amam Djavan
Nesta altura do campeonato, até mesmo os mais incautos sabem da comparação que se faz entre Djavan e o compositor Jorge Vercillo que, em 2002, explodiu as FMs com o hit “Que Nem Maré”. Desde o lançamento da canção, Vercillo enfrentou uma espécie de hate pela similaridade de seus arranjos com os já gravados por Djavan. Esta onda que atingiu “a cópia” também afetou a reputação do “original”. Por alguns anos, Djavan foi tratado pela crítica musical como um compositor abstrato —e, por certa parte do público, como incompreensível. Isso, no entanto, jamais ofuscou a capacidade de hits como “Açaí” rodarem bem nas rádios —apesar das reclamações em cima de versos como “Açaí guardião/Zum de besouro, um imã/Branca é a tez da manhã”.
A resposta de Vercillo e Djavan veio em forma de música: “Final Feliz”, uma composição de temática LGBTQIAP+, virou um dos maiores hinos das rádios populares no início dos anos 2000. De quebra, a canção juntava a dupla, afastando qualquer possibilidade de antipatia de criador com criatura.
Além de Vercillo, novos ícones da MPB também se juntam ao fã clube do Djavan. Luedji Luna consolidou-se como uma das maiores compositores e intérpretes da recente música popular brasileira e muitas partes de seus álbuns “Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água” e “Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água Deluxe” foram influenciados por Djavan. Nos shows ao vivo, Luedji encarna “Pétala”, canção densa do repertório do compositor —e também regravada em 1995 por Cássia Eller.
O grupo 5 a Seco aproveitou, em 2014, a reunião de seus integrantes para lançar “Eu Amo Djavan”, uma canção-manifesto que protesta contra uma espécie de “paladar infantil” que protesta contra as invenções do cantor —mas que compreende “Ilariê”, da Xuxa, ou dançou o “poperô” no final dos anos 1980.
A cantora Xênia França, em 2022, regravou um tesouro do cantor —pouquíssimo explorado por DJs e radialistas—: “Magia”. A canção virou um dos pontos altos dos shows de Xênia e a canção, de tom místico, passou a ser um pouco mais conhecida: