Aos mestres com carinho: como foi a festa de despedida do Black Sabbath
Os pais do heavy metal se despedem e recebem homenagem em vida


O mundo presenciou neste sábado (5) um dos maiores shows da história da música. A formação original do Black Sabbath com Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward se apresentou pela última vez e foi homenageada em Birmingham, na Inglaterra. Os pais do heavy metal receberam algumas das maiores lendas do rock no festival “Back to the Beginning“.
Como foi o festival em homenagem ao Black Sabbath
O mega show teve como anfitrião o ator e fã do Sabbath, Jason Momoa, que introduziu os músicos que esquentavam o palco até a trupe de Ozzy subir. Os pupilos homenageavam seus mestres com os pequenos shows de 2 músicas autorais e um ou outro tributo. O festival foi intercalado com os “supergroups”, bandas com membros misturados, que tocavam músicas não só do Sabbath propriamente, mas de outros nomes que também moldaram o gênero do rock e metal ao longo dos anos.
O grupo americano Mastodon abriu a comemoração com algumas músicas próprias, mas teve o ápice numa versão de “Supernaut”, música do Black Sabbath, de 1972. O número contou com percussionistas convidados para reforçar a batida poderosa de Ward. Entre os músicos estava o baterista brasileiro Eloy Casagrande (Slipknot).
Em outro momento, em um dos supergrupos, o terceiro guitarrista do projeto solo de Ozzy Osbourne, Jake E. Lee sobe no palco para tocar hits de sua carreira com o vocalista, como “The Ultimate Sin” (1986) e “Shot In The Dark”(1986). Lee não só impressiona por ter tocado pela última vez esses hits ao lado de Osbourne, em 1988, mas por também voltar aos palcos, incrivelmente bem, após ter sido baleado diversas vezes em Las Vegas. O crime aconteceu enquanto passeava com seu cachorro, em outubro do ano passado.
O vocalista Tobias Forge, fundador do Ghost, fez uma versão animada de “Bark At The Moon”, sucesso do projeto solo do Ozzy, de 1983. Em sua última turnê com o Ghost, Tobias proibiu o uso de celulares durante os espetáculos, o que gerou controvérsias. Ele só aparece “ao vivo” em pequenas cenas do canal oficial do YouTube da banda, salvo a exceção quando fez uma cover do hit “Bohemian Rhapsody” do “Queen, em maio, no Polar Music Prize.
O clima esquentou mesmo quando o vocalista do Aerosmith Steven Tyler subiu ao lado de Ronnie Wood dos Rolling Stones para tocar “Train Kept A-Rollin” (popularizada pelos Yardbirds e que recebeu um cover do Aerosmith na década de 1970) “Walk This Way” (Aerosmith) e “Whole Lotta Love” (Led Zeppelin).
Tyler estava afastado dos palcos. Em 2023, sofreu uma lesão na faringe que o obrigou a cancelar a turnê de despedida “Peace Out”. Nesse período, ele voltou apenas em uma curta apresentação na “Jam For Jamie Grammy Awards Viewing Party” no Hollywood Palladium, em Los Angeles.
O conjunto texano Pantera também subiu no palco em sua mais recente encarnação. Além dos membros originais, Phil Anselmo (vocal) e Rex Brown (baixo), a banda agora tem o baterista Charlie Benante e o guitarrista Zakk Wylde. Charlie faz parte da grupo de thrash metal americano Anthrax, que foi a terceira a se apresentar, e Zakk também é membro do projeto solo de Ozzy, desde 1995.
Os bumbos da bateria do Pantera tinham imagens em homenagem aos irmãos fundadores do grupo, Dimebag Darrell (guitarra), que faleceu em 2004, e Vinnie Paul (baterista), que nos deixou em 2018. A banda tocou sua versão já consolidada de “Planet Caravan” (1970) do Black Sabbath, presente no álbum “Far Beyond Driven” (1994), além de outro clássico dos britânicos, “Electric Funeral” (1970).
As apresentações um pouco maiores vieram por parte das últimas bandas: Slayer, Guns N’ Roses e Metallica mantiveram a linha de mesclar músicas autorais e covers, mas referenciando músicas mais “lado B” da carreira dos pioneiros de Birmingham. O Slayer fez uma versão de “Wicked World” (1970). Entre as músicas autorais destacam-se “War Ensemble”(1990), e “South of Heaven” (1988).
Por sua parte, o Guns homenageou o álbum “Never Say Die!” (1978), com hits como a música homônima e “Junior ‘s Eyes”, ambas tocadas raramente pelo Sabbath. O Metallica tocou “Hole In The Sky” do álbum “Sabotage” (1975) e “Johnny Blade”, também do “Never Say Die!”.
A última dança das trevas
Depois das homenagens, Ozzy Osbourne entrou no palco sentado em um trono gótico elevado do chão ao som de “O Fortuna”, que faz parte da cantata Carmina Burana, do compositor alemão Carl Orff (1895-1982). Ozzy gritou: “Deixe a loucura começar!”
O show do Ozzy durou apenas meia hora e mais meia hora junto do Sabbath. No entanto, os shows foram repletos dos seus hits como “I Don’t Know” (1980) e “Crazy Train” (1980). No telão foi exibido imagens do seu primeiro guitarrista, Randy Rhoads, morto em um acidente aéreo, em 1982.
Os fãs se emocionaram quando o “Príncipe das Trevas” ficou com os olhos marejados na balada “Mama, I’m Coming Home” (1991). Em seguida, o show contou com explosões, espuma e confetes.
Antes dos quatro membros originais do Black Sabbath finalmente subirem ao palco pela última vez, um breve vídeo mostra alguns dos maiores momentos da banda no telão. Logo, badaladas de sinos, sons de chuva e trovoadas ecoam no auto-falante. “War Pigs” (1970) é a primeira a ser tocada, seguidos de “N.I.B.” (1970), “Iron Man” (1970) e encerrando com a clássica “Paranoid” (1970). Geezer muda de baixo para homenagear o seu time do coração.
Após 57 anos de história, é claro que eles não são os mesmos que eram em seu auge. Bill Ward tem uma bateria menor e viradas de tambor mais simples. Alguns tropeços são notados em um primeiro momento. O grisalho Geezer Butler segue preciso. Iommi sempre focado e certeiro desfila alguns dos maiores riffs da história do rock. No entanto, o grande destaque fica em Ozzy: é impressionante como os agudos surpreendentes ainda estão “quase” impecáveis, apesar dos excessos em sua carreira.
O tempo é implacável, mas a memória é eterna. Nesse tributo em vida, mantêm-se no coração o legado presente nas bandas que foram inspiradas pelo Black Sabbath e uma legião de fãs que vão demorar para esquecer essa noite fantástica.
Black Sabbath toca “Paranoid” no show Back to the Beginning
Por que o festival “Back to the Beginning” foi especial?
Não é algo novo um grande show em homenagem aos músicos que revolucionaram a história ou que unem grandes mestres da arte por um propósito.
Em 1992, o tributo ao icônico vocalista Freddie Mercury, do Queen, foi realizado a fim de arrecadar fundos para a Mercury Phoenix Trust, uma organização beneficente voltada a combater a AIDS, o vírus que tirou a vida de Freddie.
O show uniu não apenas os membros remanescentes do Queen, John Deacon (baixo), Roger Taylor (bateria) e Brian May (guitarra), mas também outros nomes importantes como Metallica e Elton John.
Outro exemplo é o também beneficente concerto Live Aid, em 1985. O objetivo desta vez era o combate à fome na Etiópia. O propósito uniu nomes como David Bowie, The Who e o próprio Queen.
No entanto, o diferencial do grande festival “Back To The Beginning” foi homenagear a obra do Black Sabbath em vida. Mesmo assim, da mesma forma que os eventos citados, o último show do Sabbath também arrecadou fundos para instituições que tratam a Doença de Parkinson, mal que acomete Ozzy Osbourne com seus 76 anos. O Birmingham Children’s Hospital e oAcorn Children’s Hospice devem receber recursos dos fãs que compraram ingressos para acompanhar o show presencialmente e também por meio da internet.
Para participar do derradeiro ato da formação original do Black Sabbath, grandes nomes foram convocados. Algumas bandas inspiradas diretamente pelos quatro integrantes do sombrio conjunto de Birmingham como Tool, Slayer, Pantera e Metallica tocaram no festival para honrar os seus mestres.
O festival de despedida aconteceu no estádio do Villa Park, lar do clube de futebol Aston Villa, time do coração dos quatro membros do Sabbath, em sua cidade natal.
Na entrevista coletiva realizada para divulgar o evento, Sharon, mulher de Ozzy (e atual detentora do nome Black Sabbath) revelou ainda outro motivo nobre para o concerto ser realizado naquele local. “Será a primeira vez que Ozzy entrará oficialmente no estádio do Villa Park. Ele nunca teve dinheiro para conseguir ver os jogos do seu time do coração, ele ouvia os jogos no estacionamento do estádio.”
Em 2017, o Black Sabbath se apresentou com quase toda a formação original, mas sem o baterista Bill Ward, que foi substituído por Tommy Clufetos. Ou seja, A formação original completa do Black Sabbath não se unia há mais de 20 anos até essa apresentação para dar um último adeus.
De volta ao inicio do Black Sabbath
Em 1968, quatro operários da área industrial inglesa se uniram e revolucionaram a história da música. O som da banda foi dado praticamente por um acidente: o guitarrista Tony Iommi teve parte de seus dois dedos decepados em um acidente na fábrica onde trabalhava. O que era para ser o fim de sua carreira que nem começara, acabou moldando as ferramentas necessárias para nascer o seu som tenebroso.
Iommi baseou sua música em powerchords e trítonos. Essas notas de guitarra dão uma sonoridade mais dark, pesada e, às vezes, fúnebre. Os powerchords consistem na nota fundamental soando junto com a quinta. E esses intervalos são possíveis de fazer com os os dedos de Iommi que não se machucaram no acidente.
Já o trítono é um intervalo musical composto por três tons inteiros. Ele é considerado um intervalo dissonante e, na música tonal, frequentemente é usado para gerar tensão e preparar a resolução. Por muito tempo o o trítono era conhecido como “o intervalo do diabo”.
Junte essa fórmula às letras sombrias, ocultistas e de protesto do baixista Geezer Butler, inspiradas no escritor de livros de terror Dennis Wheatley. Adicione os sons estrondosos do baterista Bill Ward, que tocava com as baquetas ao contrário, ou seja, com o lado mais grosso como ponta. Inclua o vocal agudo ímpar de Ozzy Osbourne, um virtuoso melódico gritando como uma bruxa errante. Misture tudo e temos o que hoje é considerado o metal pesado.
E o resto é essa história que vemos hoje: inúmeros grupos dos mais diversos segmentos do metal, tocando não só algumas de suas músicas autorais, que foram moldadas pelos quatro ingleses, mas também os covers mais diversos do catálogo do Sabbath.
Quem viu, viu. Mas mesmo quem não viu a última dança das trevas dos operários de Birmingham, certamente lembrará desse momento especial por meio dos vídeos e streamings que vão perpetuar a lenda ao redor do mundo.